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Democratizando e humanizando a moda
Apresentar coleções nos grandes desfiles da indústria da moda é um sonho de muitos estilistas. Mas chegar a esse lugar pode ser uma batalha especialmente difícil para determinados perfis de criadores. Foi o que se sentiu a partir das experiências compartilhadas no painel “Moda e ancestralidade” na 10ª edição do Festival do Clube de Criação, ocorrido recentemente no Memorial da América Latina.
O debate foi aberto pela estilista We’e’ena Tikuna, que declarou que falar de sua moda é falar da resistência dos povos indígenas. Ao ter suas criações tratadas com deferência, tiram do indígena um olhar estereotipado sobre quem são, explicou no painel que teve ainda as participações de Alex Santos, fundador do Projeto Periferia Inventando Moda, Hugo Zuba, criador da Zuba Camisaria, e Rafael Silvério, diretor criativo da grife Silvério e um dos líderes da startup de inovação social da Vamo (Vetor Afro-Indígena na Moda). A mediação do debate ficou com Luize Tavares, estrategista digital e fundadora da PerifaCon.
Com o nome que significa “Onça que nada para o outro lado do rio”, We’e’ena comentou que 2019 registra um marco histórico. Por meio de uma de suas coleções, foi realizado o primeiro desfile de uma estilista indígena em uma passarela reconhecida pela indústria, a Brasil Eco Fashion Week, em São Paulo. Mas, como ressaltou, a moda do povo Tikuna já existia. “Pintura e grafismo estão em nossa história”. Isso, no entanto, não a impediu de celebrar a presença numa Fashion Week. “Eu me sinto lisonjeada por aldear as passarelas”, acrescentando que antes os povos indígenas eram vistos pelos acessórios. Agora são percebidos como protagonistas. Nesse sentido, We’e’ena vem nadando “pelo outro lado do rio”.
Rafael Silvério contou que sua grife nasceu como um projeto de subsistência. “Não conseguia colocação no mercado e queria aplicar o que estudei”. Ele descreveu seu trabalho como “alfaiataria que transborda questões urbanas”. Mais do que isso: “Com a roupa, a gente questiona o gênero, o espaço urbano”, explicou, lembrando que há dois anos a Silvério desfilou na São Paulo Fashion Week. Ele também disse que é importante se sentir plural.
Zuba trouxe sua história traçando um caminho possivelmente percorrido por muitas pessoas que saíram das faculdades de moda. Como ele lembrou, seu desejo era “chegar e acontecer”, porém esse sonho enfrentou muitos obstáculos até se cumprir. Foi estagiário e subiu até a posição de assistente de estilista. Com o tempo, passou a ser estilista da grife em que trabalhava. Viajou o mundo, até que cansou.
Resolveu lançar sua marca. Montou um ateliê e se deu conta que se preparou para ser estilista, e não para ser gestor de uma empresa. Fechou o negócio, entrou em outro, perdeu dinheiro, aprendeu um bocado no meio disso tudo e... se cansou de tudo. Veio a pandemia e, isolado, um dia se deparou com uma caixa onde tinha guardado 90 peças. Buscou sua lista de clientes, formou sacolas exclusivas e enviou cartas assinadas por ele explicando por que achava que aquela camisa servia à pessoa. Entendeu que os consumidores querem ter contato com o estilista. A partir daí, abriu sua camisaria.
Com o Projeto Periferia Inventando Moda nascido em Paraisópolis em 2014, Alex ressaltou que há muita expectativa jogada sobre a periferia. “Ela não é perigosa. É rica em arte e cultura”. Movimentos como esse são importantes para democratizar a moda e humanizá-la. Alex revelou que se sente aliviado de ver nos grandes eventos diferentes corpos. E, nesse ponto, fez uma observação. “Modelo não é cabide. Modelos dão vida às roupas. A cadeia inteira tem de ser valorizada”.
O Periferia Inventando Moda envolve esses diferentes atores: não se restringe aos estilistas. Fazem parte do projeto modelos, fotógrafos, maquiadores. “Temos 15 criadores e seis marcas. Estamos mostrando que temos nossa arte. A gente quer se expressar na passarela. As pessoas se arrepiam porque se identificam. Temos protagonismo”, comentou.
Luize perguntou para Alex como o projeto ajuda no resgate da autoestima de quem vem da periferia. Ele disse que ainda estava na faculdade quando recebeu a tarefa de organizar um desfile. Daí, pensou por que faria com modelos de agências? Por que não pegar pessoas comuns e dar oportunidades para elas? Alex espalhou panfletos pela comunidade e encontrou mulheres para seu desfile – entre elas, empregadas domésticas – e passou orientações técnicas para que atuassem como modelos. Foi realizado um evento em Paraisópolis com essas pessoas. “Elas se sentiram protagonistas de suas vidas”. Para Alex, quem vive hoje nas periferias vem movendo o mundo. “Se essas pessoas param, o mundo para”, reforçou.
Dificuldades
We’e’ena pontuou que, por muito tempo, o povo indígena foi calado. E agora ele se manifesta, inclusive por meio da moda. Ela, como representante indígena, se aproximou da cidade, onde “infelizmente aprendeu o termo ‘mentira’. Na aldeia, a gente não sabe esse termo. Foi na cidade que entendi que as pessoas prometem e não cumprem”.
Mas ela insistiu até ser convidada a apresentar suas peças na Brasil Eco Fashion Week, o que fará de novo neste ano, seu terceiro desfile no evento. “Digo para meus irmãos para acreditarem no sonho. Eu disse ‘sim’ para mim. Eu me vi como empreendedora. Percebi que tenho ideias e faço que elas aconteçam. Quero levar a história do meu povo para as passarelas”. We’e’ena afirmou que pretende levar o tururi, uma fibra indígena usada em suas roupas, para outros lugares, bem como a simbologia e o grafismo dos Tikunas.
Ela também cria bonecas indígenas para aproximar o olhar de crianças – e dos adultos - também para as histórias, as artes e as vestimentas dos povos originários. “Quem leva uma de minhas bonecas, não leva um simples pedaço de pano. Leva história”.
Ao ouvir a frase de We’e’ena sobre a mentira, Silvério destacou outros problemas do mercado. Para ele, é preciso investir no letramento racial, entre outras medidas. “Nós, pessoas pretas, não estamos em lugar de privilégio constantemente. A gente observa as pessoas brancas e, nisso, encontramos brechas. A fala sobre a mentira, me emocionou. É isso mesmo. Na cidade, a gente tem de brigar por espaços. Mesmo a diversidade: as marcas entendem que precisam trabalhar com isso, mas ela ainda é imposta. A marca se pergunta se está conversando com um homem branco que foi letrado racialmente? Temos de decolonizar as pessoas ao redor. Eu também estou num processo de letramento”.
Outro desafio é fazer a gestão do negócio. Afinal, existe alguma maneira de preparar o estilista para fazer o empreendimento acontecer e crescer? Quem apoia por esse lado? Zuba disse que criatividade todo mundo tem. “O que falta é as entidades e as universidades oferecerem cursos (de gestão de negócios). Se uma entidade te ensina a ser comercial, independemente de você fazer moda ou artes plásticas, você vende um fio cor de rosa e transforma isso em fio de ouro. A faculdade de moda não te ensina isso”.
Por sua vez, Silvério respondeu que, no fundo, o que está em discussão é educação, “que não está pronta para o mundo real. Os jovens que saem da faculdade vão perceber que aquilo que passam para eles não é metade da realidade”.
Ele comentou que existe uma competividade transmitida nas faculdades “que é ridícula”. Afinal, o mercado ainda é pequeno, no entender do estilista. Segundo Silvério, é incitada uma rivalidade entre os criadores que não precisava existir. Deveria ocorrer o contrário. “Não acontece networking”.
Silvério foi além, dizendo que as faculdades têm um olhar muito eurocêntrico. Não se estuda, por exemplo, história do Brasil, em suas palavras. “A gente não enxerga os povos indígenas, a gente não enxerga o povo da periferia. Vamos precisar ainda falar de educação por muito tempo. Temos de falar de muitos tipos de educação: emocional, financeira, administrativa”.
Alex confirmou que na faculdade surge esse clima de rivalidade, inclusive entre alunos. Isso cresce para as instituições de ensino e chega até as passarelas. “A gente tem de somar. Tem de se juntar. Na passarela é um momento só seu. Mas podemos formar coletivos”. Segundo ele, enquanto botarem na cabeça das pessoas que se formam que elas devem ser melhores do que as outras, o mercado continuará sendo “cabeça fechada”.
Lena Castellón
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Serviço:
10º Festival do Clube de Criação
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