arrow_backVoltar

Festival do Clube 2023

Mulheres fotógrafas: quebrando paradigmas

19.10.23

Um encontro de gerações distintas e com jornadas diferentes, intensas e inspiradoras. Desse modo pode ser apresentado o painel “Mulheres fotógrafas: movimentos rumo ao futuro e reflexões sobre o presente”, realizado no 11º Festival do Clube de Criação. Se por um lado havia a experiência do fotojornalismo, de outro havia a área da publicidade. Isso sem esquecer das artes e do ativismo.

A mesa teve a mediação da fotógrafa Mônica Maia, que por mais de uma década foi editora de fotografia do Grupo Estado. Hoje, ela atua como editora, curadora e produtora cultural. E é idealizadora do projeto Mulheres Luz, plataforma de pesquisa e publicação de conteúdos produzidos por fotógrafas e mulheres da imagem.

Participaram também do debate Fernanda Tricoli, que iniciou sua carreira em 1997 na AlmapBBDO e conquistou reconhecimento na publicidade; Marlene Bergamo, fotojornalista da Folha de S. Paulo e que deu impulso a sua trajetória no extinto jornal Notícias Populares, fazendo a cobertura de crimes; e Nayara Jinknss, que se apresenta como fotógrafa humanista, educadora social, ativista LBTQIA+ e integrante do Coletivo Mamana.

As profissionais fizeram uma exposição de suas carreiras, dores, expectativas e desafios (leia mais sobre suas trajetórias e um pouco de seus trabalhos aqui). Mônica abriu a conversa pontuando a importância de garantir voz a corpos diversos e romper sistemas que se repetem, em que as mulheres não são vistas.

Formada em artes plásticas, Fernanda contou que sempre namorou a fotografia. Quando entrou na primeira agência de publicidade, nos anos 90, só havia duas opções para a fotografia: vertical e horizontal. “Desenvolvia inúmeros processos, usava uma câmera 4/5 e polaroide grande. Os layouts eram desenhados detalhe a detalhes. Era um trabalho minucioso”, lembrou.

Esses processos perduraram nas agências até os anos 2000. Com o início da digitalização, os fotógrafos foram ganhando maior liberdade. Porém logo esses profissionais deixaram as agências. Quando a fotografia se tornou 100% digital, Fernanda virou autônoma.

Foi nesse momento, em 2013, que me dei conta do meu trabalho como mulher, da dupla jornada. Quando iniciei minha carreira, ninguém falava em burnout. Comecei a perceber a sobrecarga com as redes. E passei a entender que se tratava de um movimento coletivo”, observou. Agora, aos 50 anos, Fernanda está enfrentando outro desafio: o etarismo.

Mônica, que está pesquisando cem anos da história do Brasil sob a ótica dos fotógrafos, comentou que 2013 foi um ano marcante para o fotojornalismo, que andava meio desacreditado. O trabalho foi essencial para cobrir as passeatas que se alastraram pelo país – conhecidas também como Jornadas de Junho.

A cobertura deu novo valor à atividade, que já tinha passado antes por outros momentos de descrédito. “O primeiro registro de que o fotojornalismo havia morrido é de 1963”, pontuou Mônica. Em 2013, outro ponto importante: foi quando surgiu um coletivo de mulheres fotógrafas.

Nayara compartilhou parte de sua história com o público: ela nasceu no Pará, é uma mulher preta e lésbica. “Sempre me senti deslocada. Em 2013, conheci um coletivo de mulheres e nós entramos nas redes sociais. Fomos juntas às manifestações”, contou.

Ela estudou artes visuais no Rio de Janeiro e, na época, não se via como negra, mas como morena. “Descobri no Rio, na faculdade, em que eram todos brancos”. Há 14 anos, fotografa, mas trabalha com múltiplas linguagens. Documentou, em imagens, o Mercado Ver-o-Peso, em Belém, “sem estereótipos e usando o bem querer”. Depois, se debruçou em uma pesquisa sobre o período imperial, “sem romantismo, explicou.

Marlene revelou que chegou a fazer a faculdade de publicidade, mas que a largou antes de se formar. Ao entrar no lendário Notícias Populares, o popular NP, começou a cobrir o plantão policial, de madrugada, fotografando cadáveres.

Cobria de uma maneira mais crítica. Hoje é do ponto de vista da polícia”, comentou. Foram cinco anos registrando homicídios para as páginas do NP. “Depois, fui para a coluna social na Folha de S. Paulo. Fui fotografar os milionários”, disse. Detalhe: a coluna era assinada por Joyce Pascowitch, mas depois foi assumida por Mônica Bergamo, sua irmã.

A fotógrafa contou que aquilo a perturbou. “Como os milionários podiam se divertir tanto, com brasileiros morrendo todas as madrugadas por motivos, na maioria das vezes, fúteis?”, perguntava-se.

Marlene inventou um jeito peculiar de documentar a elite brasileira. Ela fazia closes improváveis e usava o flash de baixo para cima, conseguindo ângulos perturbadores.

Nessas festas, a questão da violência não era abordada. E eu ficava pensando no que estava acontecendo naquele momento na periferia”, disparou. Ela reuniu esses dois mundos em um único trabalho, do lixo e ao luxo, escancarando as diferenças tão presentes e atuais do Brasil. Deu o nome de “Desigual” ao vídeo que montou com essas cenas.

Quando Marlene começou no fotojornalismo ela era a única mulher no time. Fernanda também passou por essa experiência. E afirmou que recentemente foi contratada para um job com o staff 100% feminino: uma campanha para Stella Artois. “No entanto, fiquei com a impressão de que esse staff 100% feminino era para cumprir uma agenda do cliente”, observou. Ela acrescentou que durante toda sua jornada na publicidade nunca teve a liberdade de escolher jobs.

Perguntadas se o trabalho de uma fotógrafa é mais sensível do que o de um homem, elas rebateram, argumentando que se trata de um estereótipo. E salientaram que, independentemente do gênero, a fotografia tem de ser crítica e política. Outro ponto levantado pelo painel é que a profissional deve rever e repensar seu trabalho o tempo todo. Há espaço para mulheres na profissão? Sim, há, basta ter coragem e seguir em frente.

Silvia Herrera

11º Festival do Clube de Criação

Patrocinadora premium: JCDecaux.

Patrocínio master (ordem alfabética): Globo, Google e Santeria.

Patrocínio/apoio (ordem alfabética): Adludio, Ama, Antfood, Apro+Som, At Five Gin, Barry Company, Broders, Canal Market, Canja Audio, Cervejas Avós, Cine, Droga5, Halley Sound, Kraft Heinz, Lucha Libre Áudio, Memorial da América Latina, Mr Pink Music, Monkey-land, Mugshot, My Mama, Nós - Inteligência e Inovação Social, O2 Filmes, Paranoid, Piloto TV, Publicis Groupe, Spotify, Surreal Hotel Arts, Tribbo, Unblock Coffee, UOL, Vati, Warriors VFX e WMcCann.

Festival do Clube 2023

/