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Entre a favela real e a idealizada
O mote “a favela venceu” tem guiado debates acadêmicos e roteiros de inúmeras peças publicitárias e projetos de marketing. Foi criado a partir do rápido processo de inserção social iniciado na primeira década deste século. Apesar disso, não se trata de problema resolvido, e os integrantes dessas comunidades ainda enfrentam velhas aflições, como o desemprego, o subemprego, a violência e o preconceito.
Em sua 11ª edição, o Festival do Clube de Criação reuniu um time de ponta para discutir a questão. Com a sala lotada, o debate “Favelas: romantização e hipersexualização engendradas pela mídia e pela indústria cultural” foi mediado por Patricia Carneiro, senior planner da Oliver, que lembrou ter crescido numa casa no Morro da Cruz, em Porto Alegre, criada por uma mulher negra, mãe solo. Ela frisou o contraste entre a visão romantizada da favela e os desafios ainda enfrentados por sua população. “É preciso rever a visão do empoderamento feminino, por exemplo, confundido com a pornificação das mulheres”, salientou. “E isso vale especialmente para o povo negro”.
A professora Alecsandra Matias, do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação, da ECA-USP, ressaltou que a favela ainda não venceu e que seus integrantes carregam o peso de estereótipos e de representações inadequadas. “O povo das comunidades foi frequentemente retratado por artistas brancos”, destacou. “E essa construção romantizada criou uma falsa ideia de democracia racial, calcada na miscigenação”, alertou.
Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, fundador do Data Favela e autor do livro “Um País Chamado Favela”, falou da importância das comunidades no Brasil contemporâneo. São 17 milhões de pessoas, 11 milhões de eleitores, R$ 200 bilhões movimentados na economia, num ambiente em que as pessoas ainda são estatisticamente cinco vezes mais sujeitas a sofrer violência policial. “Por meio da comunicação, a indústria utiliza esse movimento de empoderamento, ganha com isso, mas esse lucro não vai para a favela”, alertou.
Meirelles apontou para o fato do retrocesso no processo de inclusão durante os anos de governo conservador de Jair Bolsonaro, em que, segundo ele, qualquer busca de justiça social era encarada como “comunismo”. “O que era esforço de avanço civilizatório era estigmatizado. Agora, temos a chance de mudar esse paradigma e seguir adiante na superação dos desafios”, afirmou.
Diretora de conteúdo e fundadora do portal Mundo Negro, Silvia Nascimento lembrou que a favela, enquanto território, somente existe em função da escravização e do racismo. Ela citou a criação de estereótipos inclusive nas chamadas ações de promoção social. “As pessoas da favela não precisam apenas jogar futebol e pratica capoeira, conforme a representação tradicional”, afirmou. “E os corpos negros, das mulheres especialmente, não devem mais constituir uma matriz de visão que desconsidere outros talentos, capacidades e potencialidades”, frisou.
Silvia salientou que também é grave o processo de invisibilização e naturalização da violência, especialmente policial, contra os habitantes das comunidades.
A pesquisadora Tamiris Coutinho contou como seu trabalho de conclusão de curso na universidade tratava de funk e do papel das mulheres nessa construção artística. “Como as estruturas de poder se incomodaram, foi aí que decidi insistir nessa temática e aprofundar meus estudos na área”, revelou. Segundo ela, é fundamental analisar como o universo da música retrata diferentes facetas do processo de empoderamento feminino. Ela retrata a cena em seu livro “Cai de boca no meu buc3t@o”, que mostra as nuances da questão no espaço urbano do Rio de Janeiro.
O ator Babu Santana, diretor do grupo cultural Nós do Morro, trouxe para o encontro sua experiência como pessoa criada na favela e que percebe as graves distorções das representações de seus moradores. “É o caso da industrialização do corpo da mulher preta no Carnaval, como se fosse seu único atributo”, afirmou.
Ele observou que cada favela tem suas particularidades, assim como cada indivíduo que a habita, de modo que é preciso evitar generalizações. “Sou favelado ainda e, quando dizem que a favela venceu, eu digo que eu venci”, relatou. Para Babu, é preciso que as comunidades sejam bons lugares para morar e prosperar. “Porque lá tem uma virtude, é um lugar de solidariedade”, concluiu.
Ao finalizar o encontro, Patricia ressaltou novamente a responsabilidade dos profissionais de comunicação e publicidade em rever conceitos, compreender a realidade em transformação e contribuir para uma devida representação da favela, de modo que possa se tornar um teatro vivo da construção de um mundo mais justo, solidário e inclusivo.
Walter Falceta
11º Festival do Clube de Criação
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