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Festival do Clube 2023

Estudar sempre: a essência do setor de produção

10.10.23

Uma conversa da qual se sai com mais perguntas do que respostas. Assim Felipe Luchi, sócio-fundador da Santeria, definiu o painel “A reprogramação do modelo de produção frente às inovações tecnológicas: equipes, equipamentos e modus operandi”, realizado no 11º Festival do Clube de Criação.

Como moderador da conversa, Felipe fez questão de lembrar que as tecnologias vão muito além da Inteligência Artificial, o tópico do momento. Os painelistas trouxeram muito mais a discussão sobre a criatividade humana versus o poder do digital e a necessidade do constante estudo.

Um dos pontos que chamou atenção do público foi quando Alexandre Lucas, diretor de cena e sócio da Modernista, mostrou a abertura do filme “O Poderoso Chefão”, na qual Marlon Brando acaricia um gatinho enquanto fala sobre matar alguém. O curioso é que isso não estava no script: o bichano circulava no set e Brando o levou para a cena, de surpresa. Para Alexandre, esse é um exemplo de que tecnologia não substitui o trabalho humano quando se fala de talento e criatividade.

Definindo-se como defensor ferrenho da alma e da importância do olhar humano, Lucas pontuou que quem trabalha com audiovisual e comunicação é, antes de tudo, um contador de história. E comparou a forma como as gerações estão lidando com a evolução tecnológica.

Em suas palavras, millennials e a geração Z nasceram neste novo mundo tech, mas todos precisam aprender sempre. E, para reforçar o argumento, citou o sucesso do filme “Oppenheimer”, filmado em 70 mm, com practical effects, a “coisa mais analógica possível”. Também contou sobre o filho, que, aos 17, pediu TV de tubo para experimentar, junto com um amigo que está estudando cinema.

Tem espaço pra tudo. Mas o mercado tem de continuar se reciclando. Nosso cérebro é paleolítico; nossas leis, medievais, e a tecnologia tem a velocidade da luz”, cravou.

Luiz Evandro, diretor multimídia da Not So Impossible, por sua vez, colocou em discussão a diferença entre criatividade e tecnologia. “Não se trata de endeusar a tecnologia. Você precisa desconstrui-la, hackear. A gente está à beira da 4ª revolução industrial. Noventa por cento dos profissionais precisam se preocupar, sim. [A tecnologia] acaba primeiro com a especialidade e com o processo artístico. Você escreve um parágrafo e sai pronto. Quando você digita um parágrafo e sai pronto, é você que está sendo prejudicado como artista”, afirmou.

O conhecimento de base, segundo ele, é o que faz a diferença. Evandro salientou que “Les demoiselles d'Avignon”, o quadro de Pablo Picasso que revolucionou a pintura, só foi possível porque ele tinha conhecimento do básico da arte. Só é possível desconstruir quando se conhece os fundamentos. “Isso nunca vai ser substituído”.

Evandro recorreu à cena de outro longa, “Indiana Jones e Os Caçadores da Arca Perdida”, para corroborar seu ponto de vista. Uma mudança de última hora tornou icônica a cena em que Indiana (Harrison Ford) é parado por um homem que o desafia com uma espada na mão, fazendo movimentos super habilidosos. A reação do arqueólogo é simplesmente puxar sua arma de fogo e acabar com a questão com um tiro.

O diretor da Not So Impossible exibiu ainda trabalhos que empregam diferentes tecnologias, como experiência imersiva, mockup e real time. Escolher o que usar é uma decisão artística, defendeu. “A criatividade está em dominar a tecnologia de que você dispõe”, completou.

Domínio pela máquina

Para Flávia Zanini, head de produção executiva da O2 Filmes, a discussão filosófica sobre a criatividade ser ou não dominada pela máquina pode durar para sempre. Diante disso, ela preferiu falar das diferentes ferramentas que tem usado, de virtual production a Midjourney. “Temos dentro da casa painéis de LED, que nos proporcionam fazer muitas coisas. Mas onde usar isso? Ele te dá possibilidades incríveis – como fazer um filme só no pôr-do-sol – mas se não vou ter verba, nem tempo, nem nada... será que ele e bom ou não?”, exemplificou.

Ela conta que, ao gravar uma série, pode usar mais recursos como virtual production ou one reel. “A câmera ‘trackeia’ o seu fundo, mas precisa do programa, do estúdio 3D, de estúdio de arte etc e isso leva muito tempo”, refletiu.

De acordo com Flávia, o mercado publicitário é diferente: é preciso pensar no tempo e no volume de entrega, sendo que muitas vezes os criativos, por não entenderem direito como a tecnologia funciona, não compreendem que não existe plano B. “O ‘troca aqui um pouquinho’ não tem. Ou vai todo mundo de mão dada, ou não vai”.

A decisão de como gravar, sustentou, é do diretor e da equipe junto com o criativo, a partir de informações e cenários. “Nessa hora eu vou orçando 15 orçamentos com virtual production ou sem, com locação ou sem”. Como produtora, ela passou por experiências como um filme no qual o cenário parecia que ia fazer sentido, mas o diretor preferiu one real. Fizeram vários testes com pré light, imagens no Midjourney, e, por fim, o time percebeu que nessa produção cabiam diferentes métodos.

Flávia destacou ainda que não é apenas sobre dinheiro e prazo: é sobre o filme ficar melhor. Para ela, o importante é a equipe toda constantemente buscar novos conhecimentos. “Não vamos parar de estudar”, concluiu.

Aprender sempre foi também a recomendação de Egisto Betti, produtor executivo e sócio da Paranoid. “Quem não se preparar, vai ser atropelado. O fundamental desse papo é ter cabeça aberta para aprender e abraçar essa palavra maluca que é a tecnologia, que é um trator”, comparou.

Egisto abordou uma experiência reversa, de rodar um projeto com baixo orçamento e, por várias questões, filmar em película super 16mm, tendo de enfrentar percalços. “Quem faz? Quem revela? Onde compro negativo? Foi a antítese da tecnologia”, comentou. Isso também passa pelo conhecimento de base e por estudar diferentes possibilidades.

O cenário tech, definiu, é uma maluquice. “Mas uma maluquice incrível. Hoje, a gente não tem mais limite. Você pensa em qualquer coisa no cinema e pode fazer. Tem de ter tempo, dinheiro, pessoas, mas dá pra fazer. Fico pensando no celular que todo mundo tem no bolso”.

Celular na mão

Felipe Luchi lembrou que Tiago Marcondes, diretor de cena da Vetor/Lobo, recentemente dirigiu um filme pelo celular. “Devemos comemorar ou ficarmos preocupados?”, perguntou.

Eu entreguei um filme feito com celular”, disse para depois completar. “Passei a carreira construindo, fazendo crafting. Tem a sedução do craft, que falam que você vai chegar a imagens incríveis. A realidade, no dia a dia, é outra”, emendou, destacando prazo e custos como dificultadores. “Devo ter orgulho desse filme feito pelo celular com uma equipe de quatro pessoas? Deu certo, o cliente gostou, mas então falei ‘será que estava errado esse tempo todo que eu estava produzindo com as coisas que o craft faz’”, acrescentou.

Tiago afirmou ainda não ter as respostas. “Estou aprendendo a ser menos craft e entregar e aceitar que a tecnologia está aí”. O diretor, que trabalha muito com animação, trouxe para a discussão a importância da pré-produção, observando que algumas coisas não podem ser feitas na pós-produção.

Ele resgatou os exemplos dos outros painelistas, com a cena de “O Poderoso Chefão” e “Indiana Jones”. “Essas coisas que acontecem no set são maravilhosas. Elas também acontecem na animação, no 3D, no ChatGPT, no Midjourney. Tenho usado (essas ferramentas) todos os dias e elas me dão soluções criativas”. Com as inovações, ele defendeu, temos a capacidade de surpreender e sermos criativos.

Luiz Evandro fez um contraponto. “Acho que no Brasil falta preparo. Falta as pessoas conhecerem a tecnologia suficientemente para fazer previsões. Os diretores são mal preparados. Poderiam estudar mais”.

E com o streaming? Mudou algo? “É um divisor de águas na indústria”, resumiu Egisto. “Mudou a publicidade, o cinema, como se consome audiovisual. É um caminho sem volta”, respondeu o produtor executivo, que concordou com uma das colocações de Evandro, de que não dá para negar os avanços, não há volta.

“Para onde está indo, não sei”, emendou Egisto. O caminho, ele apontou, é a capacitação, a educação e a vontade de aprender.

Sobre os avanços tecnológicos, Luchi explicou que, antes, apenas quem estava dentro de uma agência tinha acesso às novidades. Hoje é diferente, sendo os jovens que levam a informação para as agências, abrindo espaço para novos mundos.

Alexandre complementou, dizendo que as tecnologias trazem soluções criativas. Com criatividade e experiência, o profissional eleva o trabalho para outro patamar. “Quem acha que tecnologia é atalho para a preguiça, não é isso”. O celular substitui outras máquinas e as pessoas encontram novos usos para o aparelho. A questão, portanto, se trata de estudo e coração aberto.

No entanto, lembrou, há um custo ao se dedicar ao estudo. “A tecnologia é cara. Alguém precisa investir, as empresas precisam bancar treinamentos, educar profissionais. Os próprios profissionais têm de investir parte do tempo dele”, ressaltou.

11º Festival do Clube de Criação

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