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Marcas e talentos: muito mais que 3 stories e 1 feed
Funciona contratar vários influenciadores para uma publi pontual? E cola um discurso que não corresponde exatamente com a realidade do creator? Qual o limite do humor? No painel “Marcas X grandes talentos: o papel estratégico das agências na construção das relações”, realizado pelo Festival do Clube de Criação 2023, um time de peso levantou essas e outras questões para o público pensar quando o assunto se tratar de contratar estrelas de primeira grandeza.
No palco, estiveram o ator Babu Santana e os humoristas Fábio Porchat e Paulo Vieira, compartilhando suas experiências. Também participaram do debate – que teve auditório lotado – Beatrice Jordão, sênior marketing manager da Heineken; Gabriela Moura, diretora de conteúdo da Talent; Jef Martins, diretor de impactos sociais e projetos especiais, e Rejane Romano, diretora de comunicação, ambos do Publicis Groupe.
A primeira pergunta, de Rejane, buscou mostrar desde quando o trio está envolvido com a publicidade. Qual foi a primeira vez em que participaram de uma campanha? Paulo contou que foi para uma concessionária de automóveis do interior do Tocantins, estado onde nasceu. O mote era “Prazão e taxinha”, detalhe que fez o humorista comentar: “obviamente, eu não era a taxinha”. E a primeira com mídia nacional foi para o Globoplay.
A primeira vez de Porchat foi para Fanta, aos 15 anos. A revelação provocou imediata reação de Paulo: “ele começa em outro nível. Eu fazendo ‘Prazão e taxinha’ e ele, Fanta”. Mas Porchat observou que, no caso, ele precisou ter uma “aprovação do cliente” diferente. Isso porque o roteiro da campanha incluía interação com uma aliá (fêmea de elefante). E quem participasse da ação teria necessariamente de ser cheirado e "aprovado" pelo animal escolhido, que estava em um circo. Ele passou pelo teste, mas a experiência não lhe rendeu boas memórias porque o humorista acabou passando mal nas filmagens: ele precisou repetir uma cena mais de 40 vezes, tendo de beber o protótipo do refrigerante, quente e sem gás.
Babu, por sua vez, entrou no mundo da publicidade por meio da Bacardi. Ele já integrava o grupo Nós do Morrro (associação cultural do Morro do Vidigal, no Rio). No dia do teste, havia uma fila quilométrica de candidatos a participar do comercial. “Quando fui aprovado, pensei que seria só mais um figurante. Mas, na hora de gravar, descobri que eu era o cara da propaganda. Foi engraçado porque eu me portei como um figurante até que um diretor disse que era eu que devia estar ali (no centro da cena). Não tinham me colocado a roupa certa porque ninguém acreditava que eu era o protagonista”, lembrou. Isso foi antes do BBB. Depois do reality, ele fez campanhas para muitas marcas.
E hoje, como eles se relacionam com as marcas e como enxergam o papel das agências, questionou Jef. Dentre as histórias compartilhadas, ficou nítido que é preciso definir melhor o que se quer com o criador ou com o grande talento quando se desenvolve uma campanha. Cocriação é uma aposta importante, porém ainda há dificuldades nesse processo. Até para o protagonista. Babu disse que, no começo, demorou para entender como interagir com os times das agências e das marcas.
Beatrice afirmou que o desafio, pelo lado dos anunciantes, está na abertura para as propostas e sugestões de criadores e talentos. É preciso que as marcas sejam mais flexíveis e ouçam mais o que essas pessoas – que já conquistaram a atenção da população – têm a dizer, contribuindo para que as mensagens tenham mais veracidade. Afinal, são elas que se aproximam mais do sentimento do público com o qual estão habituados.
Contratado no passado como embaixador da Pizza Hut, Paulo lembrou de uma troca que teve com a marca. Ele tinha recebido um texto que falava mal das pizzarias de bairro. “Expliquei que nunca poderia falar dessas pizzarias. Ainda mais depois da pandemia. Meu pai já teve pizzaria de bairro, vários amigos trabalham e já trabalharam em pizzarias de bairro. Não fazia sentido ter esse discurso. Conversando com eles consegui mudar o roteiro para ‘Deu Vontade? Dá um Hut!’”.
O humorista completou dizendo que, apesar de não ser mais contratado da empresa, guarda a marca no coração porque foi um trabalho muito importante para ele.
Gabriela comentou que Paulo Vieira pode não ser mais o rosto da pizzaria, mas é um dos rostos da Claro, empresa que tem de falar com brasileiros dos mais variados perfis. Ele também interage com pessoas de todo o país, que tem dimensões continentais. “Como você usa seu olhar plural numa comunicação criativa?”, perguntou.
O humorista primeiro trouxe um bastidor divertido. Ele sempre teve Claro, porém, na época em que foi contratado, ainda estava no pré-pago. Uma alta executiva da companhia o procurou e sugeriu mudar para pós-pago. Mas outros “perrengues” das fases de dureza foram encontrados, todos contornados com muita habilidade e sutileza. “Ela vinha, toda delicada, dizer ‘olha em tal ano tem um débito seu de R$ 40’. E realmente tinha. E eu pagava logo essas dívidas humilhantes. É mais vergonhoso dever R$ 40 do que R$ 4 mil”, lembrou, rindo da situação.
A história serviu para reforçar seu ponto: a publicidade está buscando mais pessoas que sabem do que estão falando. Se o objetivo está em comunicar um plano de telefonia mais barato, ele vai entender realmente as necessidades de um consumidor que precisa fazer economias em sua vida.
Na sequência, Vieira contou que recentemente esteve em uma reunião na qual o anunciante abriu um PPT dizendo o que era classe C. “Dei gostosas gargalhadas. Porque a classe C, para mim, não é um PPT apresentado numa sala de reuniões em São Paulo. Ela é a minha vivência. Então, quando eu falo da classe C, eu sei do que estou falando”.
Por ter vindo de um lugar que representa 90% da população brasileira, como disse, esse é seu “pulo do gato” para conseguir ser tão plural. Ele sabe com quem está falando e como se comunicar com as pessoas.
Haters, limites, cancelamentos
Trabalhar com influenciadores e personalidades famosas também quer dizer lidar com um público que segue o dia a dia dessas pessoas com lupa. E há um hoje um temor de cancelamentos, de polêmicas que podem envolver um nome famoso. Às vezes, uma pequena repercussão causa um incômodo grande. Porchat tratou mais disso, ao dizer que continuamente é perguntado sobre o limite do humor. Essa questão é levada para outras áreas, como literatura ou cinema? De todo modo, sua resposta é: “O limite é a Constituição, o que for proibido”.
Para ele, o humor está em crise em todo o mundo. “Não posso dizer que estou morrendo de fome que vem alguém falar – mas e quem morre realmente de fome? Até 2005, tudo virava piada”. Agora, há mais receios até para se fazer um roteiro. “O brasileiro sempre fez piada de tudo, menos dele mesmo. E mesmo que 10 mil pessoas adorem e comentem, sempre vai ter um grupo de 10 que vão reclamar”, afirmou. A dúvida é saber quanto esses 10 vão provocar um verdadeiro incômodo.
Outra mudança destacada no painel foi a do investimento crescente nas plataformas digitais. Antes, as maiores marcas do país estavam maciçamente na mídia tradicional. Lá, poucos citavam produtos (que não fossem o de patrocinadores), mas o YouTube inverteu a regra. “Nunca falei palha de aço ou achocolatado. Falo o nome da marca, como todos conhecem o produto”, afirmou Porchat.
A credibilidade dos creators ante o objetivo da comunicação foi mais um ponto discutido no painel. Afinal, não basta ser um nome popular na mídia para transmitir veracidade na mensagem. Nesse sentido, é essencial que a estratégia seja desenvolvida com mais inclusão, observou Beatrice. Isso, além de amplificar vozes, confere mais autenticidade. Também é fundamental que as marcas tenham mais consciência de como os discursos impactam na vida das pessoas.
Além disso, Paulo ressaltou que anunciantes e agências precisam definir o que querem quando buscam um criador famoso ou uma personalidade estrelada: conteúdo ou um comercial super vendedor, focado em produto? Em sua visão, funciona mais se a marca trabalhar com um talento que produza e pense conceitos que tenham a ver com a audiência em vez de investir em uma campanha engessada que pague dezenas de influenciadores para que estes subam em seus perfis na mídia social três Stories e um feed. “Pense: se você quiser uma opinião sobre pizza, em que vai acreditar mais? Em mim ou na Grazi Massafera?”, emendou, bem humorado.
“A verdade é o que funciona”, concluiu Porchat.
Silvia Herrera
11º Festival do Clube de Criação
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