arrow_backVoltar

Festival do Clube 2023

Quem não souber trabalhar com o público maduro perderá espaço

12.10.23

O Brasil, que sempre foi um país de jovens, vê sua pirâmide demográfica se inverter aos poucos. Esse movimento, que é mundial, tem e terá cada vez mais impacto em vários setores da sociedade: na economia, na cultura, nas próprias relações que temos (sejam profissionais, familiares, sociais) e, claro, vai mexer também com as marcas. Foi assim que Zil Ribas, 60+, redatora, roteirista e professora do Ibmec, abriu o painel "Economia Prateada - Aprendendo a criar para a geração 65+" do Festival do Clube de Criação 2023.

A pergunta é: como todos nós, incluindo empresas e agências, vamos lidar com este novo cenário? Para debater este assunto tão importante, sob a mediação de Zil, foram convidados Alexandre Correa Lima (fundador do portal Revolução Prateada e CEO da Mind Pesquisas), Fábia Juliasz (CEO da Market Data), Layla Vallias (cofundadora da Hype50+ e coordenadora da Tsunami60+) e Marta Carvalho (gerente de relações institucionais da FCB Brasil).

Alexandre analisou o contexto atual do país. Em suas palavras, estamos vivendo mais e tendo menos filhos, o que fará com que, em pouco tempo, a população do Brasil comece a diminuir. "Ganhamos nas últimas décadas 2 anos e meio de vida a cada dez anos transcorridos. A expectativa de vida para as mulheres já ronda ou ultrapassa os 80 anos. O horizonte dos 100 anos não está mais tão distante. E, do outro lado, nossa taxa de fertilidade é próxima à do Canadá: 1,7", ilustrou Alexandre.

Um estudo da Mind buscou reconhecer o que vai acontecer dentro de cada grupo etário ao longo de 50 anos, de 2000 até 2050. Crianças de 0 a 9 anos vão reduzir em 32%. Na adolescência o quadro é parecido: 30% de redução. A população de 20 a 49 anos vai aumentar 11%. Já a população de 50 ou mais vai crescer 246%; 60 ou mais, 416% e 90 ou mais, 3.400%. “Isso significa que. para cada nonagenário do ano 2000, teremos 34 no ano 2050. Não dá para achar que é invisível um segmento de dezenas de milhões de pessoas que está crescendo", ressaltou.

Layla falou sobre o consumo e como as marcas podem dialogar com essa população sem cair no estereótipo do velhinho com bengala. "As empresas, na figura dos executivos, que inclusive têm mais de 50 anos, ainda têm uma visão muito estereotipada e enxergam esta população como um nicho, quando na verdade ela é 'O' mercado", defendeu. Segundo Layla, os grandes influenciadores de compra das famílias são aqueles que têm mais de 50 anos, principalmente mulheres entre 50 e 65 anos, que compram para os filhos, para os maridos e para os pais delas.

Diversidade

Os maduros são uma população bastante diversa, em idade, gênero, capacidade, atitude e situação. Isso, de acordo com Layla, dificulta na hora de levar o assunto para dentro das companhias. "Mas, apesar da dificuldade, este olhar não é só necessário, ele é exigido. As marcas e empresas que não souberem trabalhar com o público maduro vão perder espaço", afirmou. "Em 2020, só 7% das propagandas tinham pessoas com mais de 50 anos, mas 96% dessas pessoas eram mulheres brancas, magras e de cabelo liso", contou. "A gente, que é criativo, sofre com falta de imagem na hora de criar uma campanha. Precisamos criar novos códigos para, de fato, conseguir uma comunicação mais assertiva."

Marta trouxe sua experiência com o envelhecimento nas populações periféricas e pretas. Nascida há 52 anos e criada na cidade do Gama, no Distrito Federal, ela passou por uma transição de carreira do mercado da música para a publicidade e hoje estuda as mulheres 50+ na periferia. "Quando a gente fala que a mulher no Brasil hoje pode chegar até os 80, uma mulher da periferia aos 50 já tem cinco netos”, contou.

“Existe um lado do mercado da comunicação que não entende essas pessoas, especialmente as mulheres, como consumidoras em potencial", disse Marta. "Temos uma periferia pulsante. Em 2022, a população periférica no Brasil consumiu mais de R$ 256 bilhões", destacou. "É preciso descolonizar o olhar de quem está sentado na cadeira criativa", alertou.

Sobre este assunto, Fábia Juliasz trouxe mais um dado que chama atenção. "Na campanha ‘Criança Esperança’, da Globo, quem mais ajuda é a mulher negra periférica. Por quê? Porque ela, com 50 anos e vários netos, é arrimo de família. Na pandemia, vimos que os arrimos de família são as pessoas aposentadas", observou. "Quero convidar os criativos a desmistificar que o poder está no jovem. Ele está também no jovem. Mas quando falamos em mercado de consumo, quem tem dinheiro mesmo é a população 50+, por todas as questões de carreira, que não estão terminando mais aos 60 anos".

Acessibilidade, usabilidade e fragilidade digital

Fábia levantou também a questão da usabilidade dos produtos, citando o exemplo do tamanho minúsculo das letras nos xampus e condicionadores e nos aplicativos de banco. "O grande desafio das marcas é ter consciência do poder econômico dessa população, saber o quanto ela será majoritária e perceber o quanto a usabilidade dos produtos e serviços precisa melhorar para que as empresas possam atingir esse potencial de consumo".

Outro problema da geração madura que interfere na empregabilidade é o conhecimento de tecnologia (ou a falta de). "É uma população com fragilidade digital", atestou Fábia. "É uma população com muito poder de conhecimento, muita visão de contexto e potencial econômico. Porém tem dificuldade com a usabilidade das coisas e é frágil digitalmente", acrescentou. E deixou uma mensagem para os criativos: "Sejam mais empáticos, para que as pessoas leiam os seus produtos".

Layla mencionou um dado obtido por um de seus empreendimentos, a fintech Silverguard, de proteção digital voltada principalmente para ajudar vítimas de golpes financeiros. "Eu acreditava que quem mais cai em golpe tem mais de 60 anos. Não é. Todos caem. Porém, o golpe em uma pessoa com mais de 60 anos é oito vezes maior que o de um jovem de 18 a 25. Ou seja: o mercado ainda não acordou para a economia prateada, mas os golpistas sim", afirmou.

Ainda sobre a questão digital, Zil emendou dizendo que muitas vezes se sente agredida quando as empresas exigem dela um comportamento em tecnologia ao qual eu não é apta ou do qual não gosta. Contou sobre a ida a um restaurante em que recebeu um cardápio em forma de "peça de jogo de futebol de botão". "Eu quero manipular o cardápio, ver imagens", comentou. "O cardápio digital foi criado na pandemia, tinha razão de ser, mas já deu, né?". Neste restaurante, segundo ela, havia muita gente de cabeça branca. "Isso é não criar facilitações para as pessoas consumirem", concluiu.

Etarismo

Alexandre também abordou as questões da tecnologia e do etarismo. Segundo ele, um estudo da Harvard Business Review revelou que a idade média dos fundadores das mais bem sucedidas startups era 45 anos, e não 19 ou 22, como muitos pensam. "Isso mostra que é preciso um conjunto de habilidades e de vivências nestes ambientes", explicou. Alexandre lembrou uma velha frase do mundo corporativo: "Cachorro velho não aprende truque novo. Mas, na verdade, é cachorro preguiçoso que não aprende. E preguiça não tem nada a ver com idade".

Marta criticou a postura do mercado publicitário. "É etarista, entre outras coisas. E, para combater isso, é preciso haver uma troca respeitosa nos ambientes de trabalho. Precisamos nos colocar em pé de igualdade. Ninguém é melhor que ninguém", arrematou.

Marcia Melsohn

11º Festival do Clube de Criação

Patrocinadora premium: JCDecaux.

Patrocínio master (ordem alfabética): Globo, Google e Santeria.

Patrocínio/apoio (ordem alfabética): Adludio, Ama, Antfood, Apro+Som, At Five Gin, Barry Company, Broders, Canal Market, Canja Audio, Cervejas Avós, Cine, Droga5, Halley Sound, Kraft Heinz, Lucha Libre Áudio, Memorial da América Latina, Mr Pink Music, Monkey-land, Mugshot, My Mama, Nós - Inteligência e Inovação Social, O2 Filmes, Paranoid, Piloto TV, Publicis Groupe, Spotify, Surreal Hotel Arts, Tribbo, Unblock Coffee, UOL, Vati, Warriors VFX e WMcCann.

Festival do Clube 2023

/