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A creator economy no divã
Não falta assunto para debater o mercado de influência no Brasil. Intenso e dinâmico, o painel “O quebra-cabeça da creator economy: falta grana, sobra influenciador, saúde mental, UGC, IA, pasteurização, responsabilidade, desinfluência”, realizado na 12ª edição do Festival do Clube de Criação, demonstrou isso.
Carolina Fernandes, CEO da Cubo Comunicação e host do podcast A Tecla SAP do Marketês, foi a mediadora da conversa sobre o cenário complexo e em constante evolução dessa economia que une "influenciadores", criadores e marcas e que pode dobrar de tamanho até 2027, chegando a movimentar US$ 480 bilhões, segundo relatório do banco Goldman Sachs.
Participaram do debate Egnalda Côrtes (fundadora & CEO da Côrtes, agência de influenciadores negros); Issaaf Karhawi (pesquisadora em comunicação digital e autora do livro “De blogueira a influenciadora”); Leonardo Goldberg (psicanalista e autor do livro “O sujeito na era digital: ensaio sobre psicanálise, pandemia e história”); Lucas Lima (músico e influencer); Rafael Ventura (CEO da Nine Comunicação, agência especializada em marketing de influência).
O primeiro tópico proposta por Carolina foi saúde mental. A necessidade de equilibrar a criatividade e a autenticidade com as demandas das marcas, a busca constante por engajamento e o medo do cancelamento são os principais fatores que têm impactado o bem-estar psicológico dos creators.
Para encontrar o equilíbrio, Leonardo Goldberg sugeriu aos influenciadores que busquem uma separação entre a figura das redes do sujeito que está por trás das telas. “Manter um certo descolamento é necessário”, defendeu.
Para os demais participantes do painel, isso já é um desafio per se. “É teu nome que está no arroba, é a tua vida que está gerando interesse e tu consegue trabalhar com uma marca graças à atenção que a tua vida trouxe. Talvez seja uma das maiores dificuldades esse descolamento. Nunca o consegui 100%. A vida inteira a gente ouve ‘não pode se importar com a opinião dos outros’, mas todo mundo já teve na escola algum momento que um colega disse ‘viu o que ele falou de ti?’ E tu fica maluco com aquilo. Agora, multiplica isso pela população de um país inteiro”, argumentou Lucas Lima.
Quando se trabalha com causas, isso é ainda mais desafiador, segundo Egnalda Côrtes. Ela aconselhou todos os seus talentos a buscarem a psicoterapia e a evitarem o excesso de publicidade.
Para ela, é preciso respeitar alguém que, sim, gera conteúdo e interesse, mas o fato é que ela continua sendo uma pessoa. “Chamo a atenção das agências que cuidam de influenciadores. Por mais que esteja em alta e seja um produto dentro da agência, ele ainda é um ser humano”.
Egnalda ressaltou que a carreira do creator vai depender desse cuidado. “Não existe longevidade para uma sociedade doente”, falou.
Rafael Ventura destacou a dificuldade do descolamento entre pessoa e personagem. Antigamente, os fãs consumiam a música de alguém como o Lucas. “Hoje, as pessoas querem consumir o que o influenciador vive. É a vida dele que o público quer consumir”, disse, usando o músico para exemplificar sua análise.
Ventura falou da importância de o influenciador defender seus ideais e da preocupação com o “o que vão pensar de mim” como fatores de risco para a saúde mental. “Na Nine, estamos com um projeto para dar psicoterapia para todos os influenciadores. É bastante caro, mas é possível. Deve começar ano que vem”.
Risco de crise de identidade?
“Sempre existe alguma dimensão bem distante entre a imagem que a gente apresenta e a que tentamos definir a respeito do que a gente é. Isso colapsa muitas vezes”, afirmou Goldberg. O pior cenário é quando o influenciador procura corresponder de maneira integral às demandas dos usuários das redes.
A esse contexto cheio de nuances soma-se a crescente demanda de produzir de acordo com roteiros engessados das marcas.
“Quando a gente fala da questão de comunidade e chega um roteiro tão engessado, como trazer originalidade?”, questionou Carolina. Ela brincou com uma frase de Lucas Lima proferida pouco antes do painel (“esse pão de queijo tá tri”). “Como implementar o ‘tri’ nas collabs, para que a própria comunidade te reconheça ali?”, perguntou.
O músico contou que vive uma batalha constante com as marcas – e isso é algo crescente. “Pelo fato de ser gaúcho, existem termos que eu uso e termos que não consigo usar. Não consigo falar ‘você’. Não sai”, revelou. Na visão de Lucas, as empresas têm pedido algo que mais se parece com um comercial de TV do que com um conteúdo voltado para o público nichado, que realmente gosta do que ele tem a dizer.
“Sinto que o resultado que tenho – quantificável, de engajamento – quando eu posso colocar meu jeito, é absurdamente maior”, disse.
Lucas viveu experiências recentes que ele classificou como estranhas. Duas marcas pediram “vídeos autênticos”, com a linguagem dele. Quando viram os conteúdos, as empresas demonstraram insatisfação. O argumento? “Não gostamos porque a gente não sentiu que é a cara do Lucas”. O músico se viu na situação de pedir orientação para fazer um roteiro que se encaixasse na “cara que eles enxergam de mim”.
Para Issaaf Karhawi, não existe razão para contratar um criador de conteúdo se for para tirar das mãos dele justamente o valor de construção de comunidade, de relacionamento genuíno com o público.
A pesquisadora destacou outro aspecto importante da cultura dos criadores de conteúdo: as plataformas. As exigências de produzir constantemente, em uma velocidade hiperacelerada, às vezes até desconsiderando o humano, gera o que se chama de “exaustão algorítmica”. Responder às demandas do algoritmo, que são pasteurizadas, afeta a criatividade e até a saúde mental.
Questionada sobre como o creator pode pensar em um conteúdo menos genérico, ela defendeu retomar a essência da palavra influenciador, como um líder escolhido de forma tácita. “O que significa ser esse sujeito influente, senão aquele em quem a gente confia, que a gente chama pra conversar, o nosso melhor amigo que indica um filme para gente?”, completou.
Issaaf tem acompanhado o mercado chinês de economia criativa e observou que, por lá, a Inteligência Artificial tem contribuído para esse ciclo pernicioso, com o uso de deep fake para produzir conteúdo 24 horas por dia. Enquanto o creator descansa, a tecnologia continua a gerar conteúdo completamente roteirizado. “É esse o caminho que a gente quer em um mercado tão legal, criativo, rico?”.
Carolina expandiu a conversa sobre IA e comentou a experiência de uma amiga que viu uma redução de custos de produção. Lucas contou que tem pouca experiência com o tema, mas que tem reconhecido, em alguns briefings, o uso da IA. Algo que não tem sido positivo para ele, pois as refações aumentaram nesses casos.
Já Egnalda disse que, no começo era, bem resistente e que os próprios criadores mostraram a ela a possibilidade de a ferramenta contribuir com o trabalho. Ela fez um contraponto, afirmando que, até recentemente, a própria existência deles como profissionais não era aceita. Hoje, fazem parte de um mercado com 20 milhões de criadores de conteúdo só no Brasil, de acordo com um relatório de macrotendências do setor da consultoria YouPix, com dados da Factworks for Meta. Então, por que não se relacionar com a IA e entender o que ela pode fazer?
“Quem não usa o novo, vai ficando no passado”, completou Ventura. Na sua agência, a IA tem ajudado especialmente na edição de imagens.
Impacto social
O painel abordou também o papel dos influenciadores como formadores de opinião e a importância de assumirem uma postura responsável em relação às mensagens transmitidas. Tema latente, a participação de creators na divulgação das casas de aposta online ganhou espaço.
Egnalda foi enfática ao dizer que não se tem dimensão do rombo que o vício em apostas está gerando na população, um ciclo alimentado pela vulnerabilidade social e que afeta a sociedade como um todo, incluindo o mercado de influência. Ela se posicionou em favor da corresponsabilidade, começando por políticas públicas.
A solução, segundo a CEO da agência Côrtes, passa pela educação e pela valorização e preparação dos professores. E os profissionais da comunicação precisam ser agentes transformadores da sociedade.
“É cruel uma publicidade enganosa interferir nessa relação [do creator com a audiência], que é estabelecida na chave da confiança”, lamentou Issaaf, reforçando algo dito também pelos colegas: não é um único influenciador que opera sozinho, é um coletivo. O assunto é muito espinhoso, segundo Goldberg, e devemos refletir a respeito com o olhar da sociedade, não do indivíduo.
Indicar que um conteúdo é publicitário é imprescindível para muitas agências e influenciadores, até pela preocupação com questões legais. Goldberg destacou que muitas “bets” não trazem o aviso de #publi e aparentemente não se importam com possíveis consequências na justiça, uma vez que há muito dinheiro envolvido.
É também a questão financeira que atrai os influenciadores. “É difícil não aceitar a proposta”, comentou Egnalda, que mencionou a dificuldade que novos criadores têm de declinar da oportunidade de ganhar dinheiro para promover o serviço.
Para além dos jogos de azar, a responsabilidade dos creators passa pelo comportamento na vida on e off-line, não só para evitar o cancelamento, como também para desenvolver relações saudáveis com a audiência e as marcas. Ventura lembrou que, durante a pandemia de covid-19, quando alguns influenciadores faziam festas em pleno isolamento, eles passaram a receber cobrança do próprio público.
Daí, a importância da curadoria para as marcas. Cabe aos profissionais de comunicação zelarem pela reputação das empresas e isso passa pela escolha de quem irá representá-los nas redes.
Desinfluência e UGC
Para alguns, o comportamento irresponsável pode ser chamado de desinfluência. O termo, entretanto, tem também outro significado, cunhado em 2023 por tiktokers que passaram a produzir conteúdo para combater o consumismo desenfreado. Issaaf ponderou que mobilizar as pessoas para não comprar é também uma forma de influenciar.
Outro termo em voga é UGC, sigla em inglês para “Conteúdo Gerado pelo Usuário”. Algo reempacotado, segundo Issaaf, que replica o que se viu na revolução digital quando muitos fãs das marcas criavam espontaneamente.
“O que a gente vê nesse momento é um movimento de pessoas que têm se organizado pra tentar entrar na creator economy e, para isso, passam a produzir conteúdo gratuito para marcas, na esperança de que isso, no futuro, vire uma parceria, uma campanha”, explicou.
Já existe um grande contingente de criadores sendo remunerado para produzir conteúdo. Será que é realmente positivo aceitar que pessoas trabalhem sem receber, apenas por nutrirem uma esperança de um dia serem pagos? Os participantes foram unânimes em rechaçar a prática.
Na visão de Egnalda, isso é perigoso porque há um sucateamento de mão-de-obra. “A gente está se aproveitando de uma mazela social para fazer o mercado rodar a que custo?”, indagou.
É a partir do comportamento do consumidor que esse cenário pode mudar. Isso ocorre quando as pessoas observam e escolhem não consumir de uma marca que explora essa prática. É preciso pensar no capital reputacional da empresa.
“Acho que é ruim pra própria marca”, reforçou Ventura. Afinal, a empresa não sabe quem são aquelas pessoas produzindo material de graça, nem têm ideia se elas partilham dos mesmos valores. O conteúdo verdadeiramente orgânico é quando uma pessoa consome e ama a marca e fala dela nas suas redes por sentir uma conexão, sem esperar que isso vire trabalho. “Mas se ocorre na expectativa que um dia vai virar publicidade, acho que chega a ser desumano”, emendou.
Egnalda salientou ainda que a regulamentação deixa muito claro que, se a pessoa recebe um produto de graça para produzir conteúdo, isso é uma relação comercial. Sendo o material pago ou não, é publicidade.
Para encerrar o painel, Carolina chamou a participação da plateia. Os convidados foram indagados se veem alguma conexão entre o número recorde de influenciadores brasileiros com o desemprego.
Eles concordaram que, ainda que as dificuldades econômicas possam estimular a entrada na creator economy, não é algo ligado a um momento específico. Há algumas décadas as crianças queriam ser modelos ou jogadores de futebol, hoje muitas querem ser influenciadoras. Para muitos, segundo Ventura é a “luz no fim do túnel”.
Foi a forma que Lucas Lima encontrou de se equilibrar financeiramente na pandemia, quando não podia fazer shows. Mas ele acredita que o mercado de influência seja mesmo um setor atraente, independentemente da situação econômica do país.
“Para quem é de fora e não vê o dia a dia, parece ser um sonho. E é muito legal mesmo, mas as consequências também são muito grandes”, sustentou o músico e influenciador. Ventura completou: “influenciador tem ‘a vida perfeita’, pelo menos é o que mostram no Instagram. O backstage é outra coisa”.
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