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Um alerta sobre a relação de adolescentes e crianças com as redes
É sabido e facilmente comprovável no dia a dia que o número de acessos à internet e o tempo de exposição às telas de crianças e adolescentes vem crescendo exponencialmente nos últimos anos. Um dos grandes desafios de pais e educadores atualmente, portanto, é manter esses jovens e crianças longe dos perigos que o mundo virtual pode trazer e, quando for inevitável o acesso, tornar esse um ambiente mais seguro. É simples? Não, ao contrário.
Para debater essa realidade complexa, a 12ª edição do Festival do Clube de Criação organizou o painel "Como proteger crianças e adolescentes das redes sociais?", que trouxe importantes dados, números e informações, acompanhados de ideias e pontos de vista de especialistas sobre o assunto.
Maria Mello, jornalista e coordenadora do Programa Criança e Consumo do Instituto Alana, conduziu a conversa e abriu o painel reforçando a importância do tema, com dados de uma pesquisa encomendada pelo Instituto Alana ao Datafolha, que deu a dimensão do desafio multissetorial desse debate que abrange, inclusive, o mercado de comunicação.
De acordo com a pesquisa, 9 em cada 10 brasileiros acreditam que as empresas não fazem o suficiente para proteger crianças e adolescentes no Brasil; 8 em cada 10 acreditam que as leis brasileiras protegem menos as crianças e adolescentes brasileiras que outros países; ¾ da população concordam que crianças e adolescentes passam muito tempo nas redes sociais e 92% consideram muito difícil que crianças e adolescentes se defendam sozinhos das violências e dos conteúdos inadequados para a sua idade na internet.
"Lembrando que o foco do nosso debate são as redes sociais, um ambiente que nem é desenhado para crianças, quero destacar que o público mais impactado pelas redes são as meninas adolescentes", disse Maria. E, para introduzir o tema e ilustrar o cenário, foi exibido o filme "Infância Livre de Telas", da Editora Timo e criada pela McCann Health Brasil, que carrega a hashtag #LiberteaInfância (leia mais aqui).
Diretora executiva de criação da agência, Alessandra Gomes afirmou que a comunicação e a propaganda precisam ter um olhar com a perspectiva e o cuidado da saúde. "Como mãe de uma menina de 9 anos, eu estava vendo dentro da minha casa as consequências desse comportamento tão viciante, a fixação nas telas", disse. "Observei que as crianças não se olhavam, não interagiam e o desempenho escolar da minha filha caiu muito", emendou.
A partir desse cenário, Alessandra teve a ideia de desenvolver a ação "Infância Livre de Telas" (infancialivredetelas.com.br). "É uma campanha pro bono, zero budget realmente, que fizemos somente com recursos internos. Batemos nas portas das marcas, procuramos a Editora Timo, que abraçou a ideia. Catraca Livre também entrou conosco. Fomos atrás de parceiros de grande mídia. Nossa moeda de troca era: damos a mídia e vocês dão o serviço para a gente tirar as crianças das telas", contou Alessandra.
"É difícil? Sim, claro. Mas se não fizermos nada, com certeza vai ser pior lá na frente", argumentou. Alessandra revelou que sua filha, Laura, já começou a militar nessa causa com os colegas da escola. "Eles engajam quando a causa é boa", concluiu.
Vanessa Cavalieri, juíza titular há 9 anos da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, falou sobre como está a percepção da Justiça em relação a este tema e como o setor está trabalhando com essa realidade. Mãe de duas meninas, de 17 e 15 anos, Vanessa lembrou que começou anos atrás uma luta para barrar o celular na escola das filhas e era considerada um ET. "Hoje, vejo uma revolução acontecendo no Brasil e no mundo. A sociedade entendeu o problema que existe e vai ser impossível continuar do jeito que está. A regulação vai ter de vir", defendeu.
Juíza há quase 20 anos, Vanessa tem notado mudanças importantes no perfil do adolescente infrator de 2019 para cá. "No Rio de Janeiro, vemos um número muito expressivo de adolescentes de classe média e classe alta, de escolas de elite, inclusive, respondendo por atos infracionais gravíssimos relacionados ao uso da tecnologia", declarou.
Em decorrência disso, Vanessa deu início, com a Vara de Infância e Juventude, ao Protocolo Eu te Vejo, projeto de prevenção de violência nas escolas (@protocoloeutevejo), que mapeou as causas desse problema e traz propostas de estratégias para romper esse ciclo. "Há uma necessidade urgente de regulação do uso das redes sociais por crianças e adolescentes e também de responsabilização das big techs. Todos nós, como sociedade, precisamos achar que existe um problema muito grande quando o número de suicídios de meninas de 10 a 14 anos cresceu 200% nos últimos dez anos. E isso está diretamente ligado ao uso do Instagram e de outras redes sociais", alertou, destacando que a responsabilidade por essa proteção é de todos: família, Estado e sociedade.
Maria Mello salientou que os impactos das redes sociais na saúde mental das crianças e adolescentes estão clamando por uma ação de todos. Ela levou esse tema para a análise de Marcia Stengel, professora de pós-graduação em psicologia da PUC-MG. "Estudos mostram que a internet produz impactos na subjetividade com efeitos na autoestima, aumento da ansiedade, depressão e violência. Sem querer demonizar a internet, que tem inúmeros pontos positivos, precisamos entender os efeitos subjetivos de tudo isso, sejam eles positivos ou negativos", disse.
A professora está desenvolvendo uma pesquisa sobre os usos da pornografia online e os efeitos na vida afetiva e sexual de adolescentes. "Consumir pornografia um tempo atrás não era simples e era caro. Hoje, é algo extremamente acessível. Está a um clique", comentou Marcia. "A internet tem feito a educação sexual das crianças e adolescentes. A questão é que, quando buscam informações, muitas vezes chegam na pornografia", explicou. De acordo com ela, há pesquisas demonstrando que, quando os adolescentes entram efetivamente na vida sexual, acham que sexo é o que viram na pornografia. “Aí, temos relatos de desencontros entre meninos e meninas, que não respondem a isso", completou.
A psicóloga Joyce Avelar, pesquisadora do tema das desigualdades sociais com foco nos processos de violência e adoecimento psíquico, trouxe o olhar para as múltiplas infâncias e adolescências que temos no Brasil. "A gente tende a separar o mundo virtual do concreto, mas essa divisão é cada vez mais difícil. Existe uma fantasia de que as redes sociais possibilitam uma igualdade, que as diferenças sociais são neutralizadas no virtual. Mas não. O virtual muitas vezes aprofunda as desigualdades sociais e a intolerância", afirmou. "Temos de pensar qual adolescência precisa ser mais protegida. A juventude negra raramente entra no campo dessa proteção. Ao contrário, muitas vezes esses jovens são vistos como ameaça", alertou.
"Como é ser um adolescente nesse meio, onde há discurso de ódio, intolerância e racismo?", questionou. Segundo ela, esses discursos encontram novas linguagens na internet e se atualizam a cada dia. "O adolescente está na fase na qual quer encontrar sua própria voz, sua identidade, seu grupo. Ao mesmo tempo, vê na internet um padrão branco, masculino, heterossexual. Imaginem uma menina negra diariamente nesse ambiente, que ilude e promete uma vida perfeita – ou, no mínimo, melhor – da noite para o dia? Isso gera um processo de adoecimento, na medida em que traz uma sensação de insegurança, inadequação e comparação", explicou Joyce. "É fundamental que a proteção seja pensada a partir destes questionamentos", propôs.
A Vivi Duarte, jornalista, CEO e fundadora do Instituto Plano de Menina, coube compartilhar o ponto de vista de quem atua diretamente e diariamente com essas meninas adolescentes. "O grande desafio é fazer com que as meninas periféricas tenham autoconfiança, autoestima e força para realizar seus sonhos. Nós capacitamos as meninas e as conectamos com o mercado de trabalho", afirmou. "Uma das jornadas importantes que temos é a ‘Vida Digital’, em que explicamos para as meninas o que é o algoritmo e o que são as plataformas digitais para que elas entendam como fazer o algoritmo trabalhar a favor delas e do que elas querem ser. Há nove anos estamos tirando as meninas do lugar de refém das big techs", explicou.
Segundo Vivi, o ato de fazer scroll na tela é comparável à época em que as meninas se fixavam no programa “Xow da Xuxa”. "É uma comparação que perturba. Os comunicadores precisam ter a responsabilidade de cuidar da narrativa utilizada para vender os produtos", afirmou. Para Vivi, o objetivo é promover conscientização e fazer as meninas entenderem como fazer a mídia social trabalhar a favor delas. Isso pode ser feito se elas deixarem de seguir perfis, silenciando outros, por exemplo. Isso mostra para o algoritmo “como fazer a gente consumir o que a gente precisa e não o que a plataforma cospe para a gente o tempo inteiro".
Marcia Melsohn
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