Berço de grandes nomes das artes brasileiras, a Bahia exerce enorme influência na cultura brasileira já há bastante tempo. Agora, em um movimento que soma iniciativas públicas e privadas, Salvador, a capital do estado, está se tornando um polo de produção cultural internacionalmente atrativo. Prova disso é a abertura na cidade da produtora Ashé, que tem como sócia a atriz e produtora Viola Davis, vencedora de um Oscar, um Emmy e dois Tonny.
"Não é novidade que Salvador é uma capital de economia criativa e de talentos. Mas agora passamos a trabalhar essa imagem de uma forma muito melhor, em uma articulação da prefeitura de Salvador, capitaneada pela Secretaria de Cultura e Turismo, por meio do selo Salvador Capital Afro, somada ainda a talentos locais e iniciativas privadas que, mesmo que não orquestradas, contribuem com essa imagem", conta Potyra Lavor, fundadora e CEO da agência IDW, focada em entretenimento e conteúdo.
Ela é responsável por
um dos momentos que provocou buzz na mídia e nas redes sociais no ano passado: a passagem da
cantora Beyoncé pela capital baiana, para a pré-estreia do filme "
Renaissance: a film by Beyoncé". Na ocasião, a artista se enrolou na bandeira da Bahia e prometeu que a conexão com o local se manteria.
Para falar sobre esse potencial baiano, o
12º Festival do Clube de Criação, que acontece nos dias 12 e 13 de outubro, preparou o painel "
O reposicionamento de Salvador como capital cultural (e tech) do Brasil". A mesa irá acontecer no primeiro dia, no
sábado (
12), no
auditório Simón Bolívar do Memorial da América Latina.
Os participantes são a própria Potyra - que é também investidora do
Festival Afropunk Brasil, que acontece na cidade desde 2021 -;
Maurício Mota, sócio da
Ashé Ventures; Paulo Rogério Nunes, cofundador da
Vale do Dendê,
que acelera e investe em startups da área criativa e digital na capital baiana; e o ator
Samuel de Assis, que se identifica com o estado e a cidade por vários aspectos, entre eles pela cultura negra. A mediação é de
Mylene Alves (
Mycra), diretora de planejamento da
Gana Salvador, operação aberta em abril (
leia mais aqui).
O interesse de Viola Davis por Salvador é porque a
cidade representa a potência do que o Brasil é, diz Maurício, que também é presidente da
Reclaim Group. O negócio tem ainda como sócio o marido da atriz,
Julius Tennon. A produtora é focada no que eles chamam de "
Soft Power Brasileiro", à partir da diáspora africana.
O conceito se refere à capacidade de um país influenciar decisões de outras nações e de empresas internacionais por meio da
atração baseada em recursos culturais, políticas externas e pela projeção de uma imagem positiva. É o que o
Japão fez com a indústria de animes, por exemplo.
“
Salvador hoje é uma grande plataforma de soft power, com uma verdadeira renascença de colaborações nas áreas de arte, música, moda, conteúdo e tecnologia", destaca o brasileiro. Ele acrescenta que vê não apenas a capital, mas a Bahia como um investimento para o ano inteiro. Não é somente para o verão, como se considerou por muito tempo.
Mycra comenta que
Salvador recebeu muitas influências e que sempre se renova. Desde sua origem, a cidade – que foi a primeira capital do país – tem uma
vocação para o intercâmbio, o que permite uma
troca contínua de inteligências e tecnologias, compreendidas aqui não apenas pelo viés de avanços de máquinas, mas de conhecimentos. “
O fato de termos recebido muitos povos diferentes do continente africano nos dá uma visão além da Europa”, diz. “
Salvador é uma capital atlântica, que recebe tudo e faz um amálgama, uma mistura. Cria identidades próprias. E até tecnologias próprias de sobrevivência: muitos povos vieram em condições de subalternização, mas eles trouxeram consigo seus conhecimentos que, num processo de resistência, foram muito bem utilizados”, afirma.
De acordo com ela, essa capacidade de misturar culturas é uma riqueza que permanece. Por isso, a cidade é uma “
massa inesgotável de efervescência cultural”. Novos amálgamas surgem, por meio de novos intercâmbios, inclusive de
tecnologias avançadas, como as das ciências da computação. “
Temos uma série de ações de desenvolvimento e fomento de empreendedorismo e inovação. Salvador pode exportar não só matéria-prima, como arte, cultura, saberes, aplicativos. Esse reconhecimento não vem só do Brasil, como de todo mundo”, diz.
Paulo corrobora essa análise. “
Realmente, Salvador tem se posicionado nos últimos anos não apenas como capital cultural do país, e sim como uma capital tecnológica por meio de hubs de inovação”. Ele pontua que, historicamente, a cidade e o estado da Bahia têm contribuições importantes para a
formação cultural do país, como a
Tropicália, a
axé music, o
samba e o
rock nacional com nomes como
Raul Seixas.
Na visão de Paulo, seja por meio de iniciativas público-privadas, como o
Senai Cimatec, que define como um dos maiores centros de inovação hoje do Brasil, seja pelos
hubs, como a Vale do Dendê, seja por
startups criativas, há
um movimento tech coroando o novo momento da capital baiana. “
Não temos tantas indústrias. Então, precisamos apostar na vocação da economia criativa, no conhecimento tecnológico. Temos pelo menos dez grandes hubs de inovação em Salvador”.
Segundo ele, esse posicionamento ganha força ainda devido ao
surgimento de grandes eventos nas áreas da tecnologia e da criatividade, a partir de 2018. Um deles é o
Festival Afrofuturismo, organizado pela Vale do Dendê. Paulo menciona ainda o
Scream e a chegada do
Afropunk. Por sinal, os três vão acontecer no último bimestre. O
Afropunk será nos dias 09 e 10 de novembro. O Afrofuturismo, nos dias 29 e 30. E o
Scream está marcado para 03 e 04 de dezembro.
Presente nas telas da TV aberta às do
streaming, Samuel conta que se conecta com Salvador desde que se entende por gente. “
A primeira vez que fui para lá, era ainda criança. Já fugi de casa para ir para Salvador por um tempo. Depois que saí de Aracaju e fui para São Paulo, a minha vida passou a se dividir entre São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador”. O ator acrescenta que quando diz “
vou pra casa" é para a capital baiana que se refere. “
Minha cultura negra, minha cultura pop, a cultura que adquiri tem base em Salvador. Meus amigos mais importantes e a base dos meus trabalhos são da Bahia, de Salvador”.
Esse aspecto, o “
sentir que está em casa”, também faz parte da efervescência de Salvador. “
A gente fala em capital afro. Ela é uma capital de identidade, de inspiração, de impulsionamento”, destaca Mycra. Em suas palavras, a
força de atração da cidade para
investimentos de fora também está ligada à essa identificação. Ela lembrou das visitas de Viola Davis (quando falou da Ashé) e Beyoncé à cidade e disse que
há outras iniciativas do gênero despontando.
“
Tem outros empreendedores, principalmente negros norte-americanos, tentando impulsionar a indústria criativa da Bahia, especialmente a do audiovisual. Entendo que quando a cidade se assume e diz ao mundo que se orgulha de ser essa capital atlântica, afro, isso traz uma identidade muito única. Aqui, tem um pouquinho de cada nação da África. Esses empreendedores vêm para Salvador numa sensação de resgate, de acolhimento, de identificação. As narrativas que a gente constrói fazem sentido para esses players internacionais”.
Potyra faz um contraponto. "
Infelizmente, o mercado ainda precisa de validações externas para entender todo o potencial da cidade. Mas temos provocado isso, em busca de descentralização de investimentos e de iniciativas globais que poderiam acontecer em qualquer capital do Brasil", afirma. E emenda: "
se tivermos um entendimento maior do que é nosso país, seremos colocados em outro lugar".
Veja
aqui a
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12º Festival do Clube de Criação - 12 e 13 de outubro - sábado e domingo - das 8h30 às 22h
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