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Festival do Clube 2024

Casamento, DR e o vai e vem de contas nas agências

15.10.24

Precisamos conversar. Mas você nunca me ouve. Vai insistir nessa tese sabendo que não dá certo? Poxa, por que você não falou sobre isso antes?

Parece papo de DR? Não só parece, como é. Exatamente assim, como um relacionamento, mais precisamente como um casamento, que a convivência entre agência e anunciante foi metaforizada no painel "Ganhar ou perder uma conta. O que faz e o que não faz isso acontecer?", durante a 12ª edição do Festival do Clube de Criação.

A proposta do encontro foi falar de "peito aberto" sobre um processo que tradicional e insistentemente tira o sono de líderes e equipes de agências e também abala o status quo das empresas anunciantes: a concorrência.

Mexendo em aspectos operacionais e em artérias importantes como o marketing e a área de suprimentos, ligada a preços, a concorrência debatida no painel não se refere ao amplo processo de mercado envolvendo empresas diversas, organizações ou indivíduos que disputam recursos, clientes, ou vantagens. No caso, é um processo de avaliação técnica e conceitual que, periódica ou repentinamente pode ser colocado na mesa para saber se uma determinada agência continua, entra ou sai do business do anunciante.

O painel contou com a participação de Asterio Segundo (founder, CEO e CCO da Agência 35), Carol Boccia (copresidente da BETC Havas), Graziela di Giorgi (fundadora da Human Rise) e Marcel Bueno (diretor de marketing da Ford América do Sul). A mediação foi feita pelo publicitário Felipe Silva (fundador e CCO da Gana).

"A única certeza quando se tem uma conta é saber que podemos perdê-la", sintetizou Carol Boccia ao avaliar o processo de ganhar ou deixar de atender uma marca ou produto. Há cerca de dez meses à frente da BETC Havas, após longos períodos - 10 e 12 anos, respectivamente - na AlmapBBDO e Africa Creative, a executiva afirma que toda e qualquer conta se sustenta em uma agência a partir do tripé trabalho/preço/relacionamento.

"Sempre vai ter esse tripé e acima dele está o DNA da agência. As concorrências fazem sentido quando você respeita o seu DNA, é preciso ter sensibilidade para fazer essa leitura e saber se uma determinada conta é para você. Tem de ter uma proposta de entrega muito clara. As agências passaram a fazer tudo e vão perdendo a sua identidade. Os clientes acham que todas as agências fazem tudo. Pensar nessa essência, no seu DNA, vai fazer as concorrências mais fáceis e menos doloridas", defendeu a copresidente da BETC.

Asterio Segundo vê o cenário de concorrências envolvendo agências independentes com "bastante otimismo". "As independentes ocupam um espaço de busca por experimentação e inovação. Há muito a ser feito, mas acho que existe espaço para diferentes modelos de atuação já que o mercado brasileiro é muito grande e não se resume a São Paulo. Há muitas oportunidades a serem exploradas", avaliou o CEO da Agência 35.

Sobre o processo de conquista de contas, Segundo disse que ele é "randômico". "Cada cliente vem de forma diferente. Pode ser por relacionamento, por concorrência ou pode ser uma conquista a partir de quem viu o trabalho da sua agência e se identificou com ele", descreveu. Para a concorrência, propriamente dita, Asterio afirmou que elas são a principal forma de obter novos clientes, mas que o formato de avaliação é "muito antigo, com ferrugens por todos os lados."

"Minha maior crítica é ver que a concorrência é um processo mais caro, mais longo, mais exaustivo e o pior, em que se discute com muita superficialidade. O cliente não avalia a agência que vai atendê-lo em médio ou longo prazo e, sim, uma apresentação. Acho que existem formas mais eficientes e sustentáveis de fazer essa avaliação", defendeu Asterio.

Apresentando-se como uma "terapeuta de concorrências", inclusive mudando a sigla DR (Discutindo a Relação) para ER (Evoluindo a Relação), a consultora Graziela di Giorgi vem atuando como uma especialista em identificar motivações e vícios das relações entre cliente e agência. Durante o painel do Festival do Clube de Criação, ela destacou a importância da "concorrência saudável".

"Parece até que concorrência saudável é uma antítese, pois o mercado se acostumou com as especulativas", constatou Graziela. "Se você normaliza isso (o processo especulativo), o desconhecimento sobre concorrência saudável também fica normalizado", alertou, afirmando que é preciso classificar as concorrências como especulativas (quando há apresentação de campanhas) e não especulativas. "As não especulativas oferecem as variáveis mais importantes que são cultura e talento", compara a consultora. "O não especulativo remete ao compromisso de parceria e relação de longo prazo, conseguindo avaliar uma conexão de talento. Ou o cliente sai apaixonado ou sabe com quem ele não quer trabalhar. É sobre respeito, é sobre começar uma relação de parceria que não seja tóxica", disse Graziela.

Marcel Bueno também ressaltou a importância de estabelecer parcerias com agências de publicidade. "Quando a gente olha o que o mercado pode oferecer, não estamos procurando apenas um prestador de serviço e sim uma parceria estratégica", afirmou. "Temos de ter a capacidade de mostrar a nossa realidade para as agências para conseguirmos resultados mensuráveis para os nossos objetivos com trabalho em conjunto. Muitas vezes há frustrações, mas a culpa não é só da agência, pois o cliente também se perde. A agência tem de ajudar o cliente a entender onde ele quer chegar".

Durante o painel, o assunto concorrência também foi associado à duração de relacionamentos entre agências e anunciantes. "Ainda existem muitas relações duradouras, mas elas são cada vez mais raras", afirmou o mediador Felipe Silva antes de perguntar se os participantes concordam com esse cenário e quais seriam os motivos para um menor número de longos relacionamentos no mercado.

"Encaro a relação agência e anunciante como um casamento e a gente sabe que os bons, de verdade, são cada vez mais raros", observou Carol. "Como em qualquer relacionamento, dá trabalho. Você tem de investir, saber perdoar, dar uma segunda chance, apostar na relação e dar feedback. Tem de ser uma relação de ganha-ganha", ela sugeriu. "Quando você olha para as relações humanas, dá para perceber que as pessoas estão com menos paciência e olhando para a 'pista', onde tem um monte de gente nova. O mercado é assim também", comparou.

O painel abordou ainda o "custo" envolvendo a perda de uma conta ou a troca de uma agência. "Quando um líder de uma agência diz 'A gente vai perder essa conta', o peso dessa frase é catastrófico e muito danoso para o lado emocional", avaliou Carol. "As equipes ficam desmotivadas e muito preocupadas. Temos de ficar mais atentos a esse processo", ponderou. "Não é fácil mudar de agência, nunca é fácil fazer uma troca e, quando se faz, a gente ainda tenta buscar algumas pessoas ligadas à conta na agência anterior para a mudança ser menos traumática."

Graziela di Giorgi disse já ter feito um estudo informal sobre o custo da mudança de agência. "Há o bônus e o ônus. São 18 meses para a nova agência chegar ao nível da agência que está sendo trocada, ou seja, o custo da mudança é um ano e meio vezes o fee mensal", estimou.

Marcello Queiroz

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