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Festival do Clube 2024

Moda sustentável: o começo de uma trajetória

17.10.24

Um time plural se reuniu durante a 12ª edição do Festival do Clube de Criação, em São Paulo, para o painel “Desafios da indústria da moda: desaceleração e sustentabilidade”.

A jornalista Heloisa Rocha foi a responsável por mediar a conversa. A partir da sua experiência como mulher com deficiência, que vive a necessidade da moda diversa, e como idealizadora do projeto "Moda em Rodas", que foca em discutir a moda e a beleza inclusivas, ela trouxe questionamentos importantes para o palco.

Para começar a conversa, Heloisa chamou o filme “Atacama Fashion Week” (leia aqui e assista abaixo), criado pela Artplan para a ONG Desierto Vestido, em parceria com a Fashion Revolution e o Instituto Febre.

Quando esteve no Atacama, Paula Lagrotta, head nacional de planejamento da Artplan e uma das responsáveis pela campanha, ficou impressionada ao ver o acúmulo de roupa e sapatos com etiquetas. Peças que nem chegaram a ser vendidas. “É mais do que a aceleração do consumo”, comentou, referindo-se à produção em excesso.

Para ela, é preciso repensar a forma de viver e consumir. “Como a gente traz para a linguagem do belo, da moda, da geração do desejo o pensar na relação que a gente tem com as coisas?”, questionou.

Um vídeo com as criações de Sioduhi, diretor criativo do Sioduhi Studio, foi apresentado antes do estilista ser chamado para falar sobre moda sustentável. O clipe mostrou um de seus desfiles, encerrado com a exibição de um grande cartaz dizendo “emergência climática”.

Sioduhi conta que nasceu “na ponta do Brasil”, no Território Indígena do Alto Rio Negro, Amazonas. Deixou a região para estudar e trabalhar em São Paulo. Formou-se em administração de empresas e ficou seis anos atuando no mercado. Até que decidiu voltar para casa e se reconectar com seu território.

No momento que a gente passa por mudanças climáticas, de onde a gente vai tirar o peixe? De onde a gente vai tirar uma colheita minimamente saudável, já que o solo está extremamente quente para dar um fruto saudável? As mudanças estão acontecendo. Como vamos comunicar esses signos por meio da moda?”, contou.

Foi na roça no Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, patrimônio imaterial registrado no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que Sioduhi se reencontrou e desenvolveu a tecnologia ManioColor, um corante têxtil à base de casca de mandioca.

Sempre deixo claro para não romantizar a ideia de que o conhecimento milenar está sendo passados de geração a geração. Muita coisa tem se perdido com a colonização”, contou, destacando que a moda, para além do belo, do desfile, da semana da moda, é um lugar para criar signos, mostrando o que queremos valorizar.

A conversa continuou com Amanda Santos, escritora e CEO do Selo Retece, hub de sustentabilidade para gestão ambientalmente adequada de resíduos têxteis. Ela destacou que as pessoas mal estão valorizando o que é material e, portanto, fica ainda mais difícil falar na valorização do imaterial na moda.

Pragmática, Amanda pontuou que já existe uma política nacional de resíduos sólidos e que a fonte geradora do resíduo têxtil deve ser responsabilizada. “Não é mais um problema tecnológico. Tem tecnologia, tem logística, tem condição, tem gente que já faz e mostra o resultado disso. Então o que que falta? A resposta é reeducação. E a gente precisa desacelerar para aprender”, falou.

A empreendedora também destacou que vê, no seu dia a dia, uma grande preocupação das empresas com o ‘quanto custa’ o trabalho de gestão de resíduos, especialmente quando isso significa documentação para a certificação. Segundo Amanda, muitas grandes empresas decidem não seguir, mesmo com um custo proporcionalmente baixo para elas. Não à toa, mais de 90% dos seus clientes são pequenas e microempresas.

A proposta do Selo Retece é destinar os resíduos de uma maneira ambientalmente correta e, ao mesmo tempo, promover uma reeducação da cultura empresarial. “A gente tem que mesclar a responsabilidade comercial e empresarial com a moral, a ética. As falas são muito bem-intencionadas. Mas como que a gente sabe desses resultados? A gente tem que acreditar só naquele discurso? Não dá para ficar assim”, protestou.

A 12ª edição do Festival trouxe também para o painel sobre os desafios da indústria da moda a gerente de sustentabilidade da C&A Brasil, Nivea Araujo Pizzolito.

A executiva destacou que a companhia tem vários projetos de cuidados com o meio ambiente, todos relatados em seu Relatório de Sustentabilidade. Para o evento, ela escolheu trazer como exemplo o jeans circular.

A gente tem hoje 334 lojas da C&A no Brasil e em 270 delas tem uma urna do ‘Movimento Reciclo’. É um movimento que surgiu sete anos atrás com o propósito de conseguir direcionar o resíduo têxtil do pós-consumo”, contou.

As pessoas podem deixar seus jeans de descarte nas urnas. A empresa faz uma triagem e, junto com o Instituto C&A, encaminha para doação todas as peças em bom estado. As que não podem ser doadas são encaminhadas para um parceiro para uso em outros projetos ou vão para o processo de desfibragem. O jeans é desconstruído e um novo fio é feito a partir do tecido do pós-consumo.

Nivea mostrou a calça jeans que estava usando, um exemplo de peça produzida a partir do tecido circular. Modelos como o que ela vestia são vendidos na C&A. O projeto já arrecadou mais de 317 mil peças.

O que fazer

Os participantes foram questionados sobre o que pode ser feito para que a indústria brasileira da moda seja mais sustentável e desacelere. Nívea e Paula concordaram que é preciso um conjunto de medidas.

Acredito muito que a gente tem um trabalho de políticas públicas extremamente importante. Que as empresas precisam se unir para pensar em estratégias escaláveis para que a gente consiga reduzir o impacto ambiental. E isso tudo precisa de educação da população e da sociedade para que a gente faça escolhas mais sustentáveis”, afirmou a head de sustentabilidade da C&A.

Paula complementou com o seu ponto de vista de publicitária, Ela vê o desafio de construir um novo jeito de se apaixonar pelas coisas. A publicidade trabalha com o consumo, a geração de desejo. Isso é positivo, ninguém vive sem consumo, é prazeroso, mas precisa vir de um lugar mais sistêmico.

A relevância de políticas públicas para a educação foi um ponto trazido pelo estilista Sioduhi, mas o que mais o incomoda é ver o afastamento da academia do setor empresarial e a falta de descentralização do conhecimento.

Já Amanda foi enfática ao dizer que “tem que ter mais fiscalização”.

Para concluir o painel, a moderadora Heloisa perguntou: “Vocês acreditam que estamos construindo moda sustentável e pensada para todos os corpos ou apenas estamos nos iludindo com uma narrativa que foge da sociedade?

De acordo com Sioduhi, é humanamente impossível carregar toda a responsabilidade, mas dentro de um contexto, estamos avançando.

“A gente está num momento de construir pontes e não implodir, reforçou Paula, que além do cargo na Artplan, é sócia do marido, o velejador Alexandre Rezende, no projeto de upcycling Kitecoat, que há 10 anos transforma pipas de kitesurf em jaquetas.

Os passos são lentos e a jornada é desafiadora, segundo Nivea. Ainda que o caminho seja longo, ela vê evolução. “Transparência, ética, integridade, é isso que faz uma empresa trabalhar com sustentabilidade de maneira consistente”, disse.

Amanda também acredita que estamos construindo o caminho em busca de uma moda sustentável e inclusiva, mas pede cuidado para não idealizarmos uma narrativa na qual há um portal para o cenário ideal. Trata-se de uma trajetória.

 

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