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Festival do Clube 2024

Economia criativa preta tem força ancestral

18.10.24

Há avanços na complexa questão racial no Brasil? Em vários aspectos, a resposta pode ser sim, mas a realidade como um todo carrega o processo histórico de 524 anos de racismo no país e todo o caráter estrutural que o assunto representa.

Entre as respostas com "sim", um dos avanços foi a própria representatividade dos participantes do painel "Economia criativa a partir da lente de pessoas pretas", com Dom Filó (criador da Cultne, produtor cultural, jornalista e documentarista), Felipe Sá (curador de conteúdo, relações públicas e líder do grupo étnico-racial da Globo), Luiz Henrique Costa (diretor de criação do Influência Negra), Mari Santos (creative lead da Jubarte), Spartakus Santiago (apresentador, diretor de arte e criador de conteúdo); e do mediador Robson Rodriguez (diretor executivo do Influência Negra), que abriu o debate com a pergunta "Como vocês enxergam a economia criativa e a gente colocando a palavra preta no final?".

Dom Filó, o primeiro a responder, ressaltou que o "avanço é muito rápido" e que há 20 anos ou menos seria "inimaginável uma mesa, como a formada para o painel, e um mercado mais atento à questão da diversidade". O documentarista ressaltou que atualmente há um crescente volume de conteúdo de TV preta no ar, nos canais Fast (Free Ad-Supported Streaming Television), mas que o importante a partir de agora é estar no comando para definir as narrativas. "Quem melhor do que nós para contar a nossa própria história?", perguntou.

Felipe Sá, lembrou o histórico de racismo no país, os quase 75 anos de televisão no Brasil e a importância da política de cotas, implantada há 21 anos, considerando-se uma lei estadual do Rio de Janeiro. "Nada do que estamos vendo hoje estaria acontecendo se não tivesse havido a política de cotas", ele ressalta, apontando que ela é fundamental para a formação de profissionais negros em todas as áreas, gerando uma "indústria cultural diferente".

"Só se consegue pensar no futuro quando temos uma política que, de alguma forma tenta corrigir o passado", diz Felipe. "Tomara que isso (a indústria cultural diferente) não seja uma onda. Queremos continuar. É um movimento importante para que possamos transformar o mercado".

Luís Henrique Costa destacou a importância e popularização do smartphone para o aumento de pessoas pretas como criadores de conteúdo. "É uma ferramenta que permite aproveitar as oportunidades. Somos inquietos e estamos sempre onde estão as oportunidades", afirmou.

A diretora de criação Mari Santos lembrou que o campo da economia criativa é "muito amplo". "Não é só televisão. Há também o mercado de games e da música, por exemplo. Estamos chegando nesse lugar agora. É muito recente tudo, inclusive politicamente. Somos uma democracia constantemente ameaçada. Quando vemos seis lideranças criativas pretas falando em um festival como esse, parece que andou pra caramba, mas quando você mexe em água parada, sobe muita coisa", disse. "A economia criativa é quase revolucionária. Um menino com celular em qualquer favela, criando conteúdo, é muito disruptivo. A solução e inovação sempre vêm da escassez. Mexer nisso é muito para eles, para quem tem a grana, mas é pouco para nós. Somos maiores e somos mais", afirmou Mari.

Atuando como criador de conteúdo desde 2017, Spartakus Santiago contou que quando começou, o mercado era totalmente dominado por YouTubers brancos. "Acho legal como a economia criativa preta vai além da publicidade. Está ligada a um desafio. O povo preto é o mais desafiado. Temos menos oportunidades, menos acesso financeiro e mais dificuldade de conseguir emprego. A gente sempre foi forçado a ser mais criativo", comentou.

Spartakus também vê incoerência entre produção e remuneração. "A gente é quem cria mais, mas não somos recompensados por essa criação. O desafio é conseguir mudar isso. Na economia criativa preta, estamos falando de criadores de conteúdo pretos, sem direitos formais, gerando audiência e sem retorno financeiro", relatou.

O mediador Robson Rodriguez também destacou que o termo "economia criativa" ganhou um certo modismo nos últimos anos e questionou se a representatividade preta é de fato real no mercado.

O curador de conteúdo Felipe Sá respondeu que vê tal representatividade com otimismo. "A cada dia que passa, ela é mais visível. Há protagonismo negro em todas as novelas da Globo, por exemplo. Além disso, a revolução tecnológica permitiu que muitos deixassem de ser espectadores para serem criadores. A criatividade humana, brasileira, periférica e preta é inesgotável. Acho que precisamos estabelecer um pacto entre audiência, conteúdo e marcas", avaliou.

Robson Rodriguez encerrou o painel com a mensagem de que a economia criativa com pessoas pretas tem força ancestral e afeto. "O mercado precisa ver nosso talento criativo antes de nos ver como pretos. Temos de lutar contra a cegueira estrutural que impede de notar nosso talento e criatividade. Chega de verba da diversidade. Vamos ficar com a verba de marketing", reivindicou. Robson também apresentou um filmes, criado pelo movimento Influência Negra, com o título "Nós estamos aqui. Nosso grito ancestral" (assista abaixo).

Marcello Queiroz

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