arrow_backVoltar

Geralzona + Entrevista

Reflexões de David Droga sobre um cenário em transformação

04.05.23

O australiano David Droga, CEO da Accenture Song, já foi uma figura mais comum nos corredores do Cannes Lions, o festival de criatividade mais conhecido no mundo. Hoje, seu universo gravita mais em torno dos eventos de inovação e tecnologia, mas ele continua a apostar no papel da criatividade para transformar negócios. Foi o que deixou claro em sua passagem pelo Brasil, onde participou do Web Summit Rio, que acontece no Riocentro até esta quinta-feira, 04, e de reuniões, em São Paulo, com clientes e funcionários das operações brasileiras da Accenture Song e da Droga5.

Droga - que retorna a Cannes neste ano como presidente de júri da categoria Titanium - assumiu o posto que ocupa atualmente em agosto de 2021. Na época, a empresa se chamava Accenture Interactive. A companhia passou por rebranding em abril do ano passado e virou Accenture Song, nome implementado em todas as agências de criação do grupo, exceto a Droga5 (reveja aqui).

Até o início de 2022, Droga acumulava o papel de líder da companhia com o cargo de creative chairman, mas essa função foi designada para outro australiano, Nick Law, que deixou a Apple para voltar a atuar “do lado de cá do balcão”.

Nos tempos de Droga5, a agência que fundou em 2006 (comprada pela Accenture Interactive em abril de 2019), David conquistou reconhecimento internacional como criativo. Em 2017, ele levou o Lion of St. Mark, prêmio do Festival de Cannes que é dado a quem fez importantes contribuições para a criatividade no mercado mundial de comunicação.

O mundo mudou, a indústria também e Droga tem outra rotina, porém ainda se considera um criativo, como afirmou no Web Summit. A jornalista Claudia Penteado perguntou a ele qual seria o perfil de sua agência se fosse aberta hoje e ele respondeu que não poderia garantir que seria disruptiva – como foi a Droga5 –, mas ela seria “creative centric”. Afinal, "um leopardo não deixa de ter suas manchas" (e virar outro bicho), comparou. O detalhe importante é que essa “nova agência” também teria uma base sólida em tecnologias emergentes, as que considera excitantes e até assustadoras por envolverem o desconhecido. Droga declarou ainda que colocaria as pessoas no centro das decisões.Sou um storyteller. Em qualquer época que tivesse nascido, eu seria um storyteller”, acrescentou.

Em sua visão, portanto, um novo negócio no mercado usaria a criatividade para estabelecer conexões e adotaria a tecnologia como moldura da estratégia. “Por causa da minha formação, tem gente que acha que sou contra a tecnologia. Eu pergunto ‘você está louco?’. Ela acentua a necessidade de termos pessoas criativas, já que a tecnologia permite que todos tenham acesso às mesmas coisas e, nesta situação, o que nos diferencia?”, completou.

Para Droga, criatividade não é algo que se pode programar. É possível programar “coisas incrivelmente imensas”, mas não isso. Por outro lado, ele defendeu que a rápida expansão de ferramentas que agilizam processos e que padronizam práticas vão expor mais o que for medíocre. Soluções como o ChatGPT aparentemente podem fazer com que qualquer "se torne um escritor, um programador, um pensador". Mas tudo isso dentro de um mesmo nível. Para oferecer algo realmente novo, será necessário ser criativo.

Crescimento, relevância e criatividade

Em São Paulo, Droga fez reuniões com clientes e com os times da Accenture Song e da Droga5. Nas conversas, um dos comentários é que os CMOs estão com uma demanda que se manifesta globalmente: “better, faster and cheaper”. Outra missão que se espera da empresa é focar em crescimento e relevância.

A Droga5 está presente no Brasil há aproximadamente um ano (leia aqui). Com o apoio do escritório da agência em Nova York e da Accenture Song, a operação vem realizando trabalhos premiados para Netflix. Nas reuniões, destacou-se que a agência está expandindo seu relacionamento com a plataforma de streaming e também com a marca Huggies. Outro destaque foi a campanha global criada para Levi’s, que celebrou os 150 anos do icônico jeans 501 e que envolveu a Droga5 de São Paulo e Nova York (aqui).

Para a companhia, este é o ano da Droga5 SP. A expectativa é aprofundar o impacto da operação brasileira sobre o negócio e fazer a agência crescer, com o apoio da Song. Em outras palavras, a Droga5 SP vai continuar a liderar pelo lado do branding e da criatividade. A Accenture Song estará focada em criar experiências e plataformas.

IA: otimismo e preocupação

Esta é a terceira viagem de David Droga para o Brasil e a primeira para o Rio de Janeiro. O que provocou comentários de um amigo sobre os inúmeros convites que recebeu para visitar a “cidade maravilhosa”, sem sucesso – ele tem diversos amigos brasileiros em Nova York. Afinal, Droga continua com dificuldades de conciliar a agenda entre as propostas de palestrar nos eventos e as demandas que têm como CEO de uma empresa grande como a Accenture Song. Foi o que contou nesta entrevista para o Clubeonline, na qual falou sobre IA, publicidade e a operação brasileira.

Clubeonline – Você conquistou um prêmio muito importante em Cannes, o Lion of St Mark.

David DrogaFoi uma honraria para mim porque pensei nas pessoas que tinham conquistado antes esse prêmio. São nomes incríveis, como Dan Wieden (um dos fundadores da Wieden+Kennedy, que faleceu no ano passado). Ele é uma das minhas pessoas favoritas.

Clubeonline – No filme Air - A história por trás do logo (atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros - leia mais sobre o longa aqui), há um momento em que um personagem menciona Dan Wieden, dizendo apenas “ouvi essa história de Dan Wieden”. Na hora fiquei pensando quantas pessoas nos EUA sabem de quem se trata. É como Washington Olivetto no Brasil?

DrogaA média da população não conhece muito das pessoas da publicidade. Mas acho importante falarem de Dan Wieden. Coisas como essa ajudarão a torná-lo mais conhecido. Ele merece isso.

Clubeonline – Por que decidiu vir para o Web Summit no Rio?

Droga Eu queria vir aqui e também encontrar o pessoal do nosso escritório no Brasil e nossos clientes. Já fui convidado para o Web Summit em Lisboa. Na última vez, tive de cancelar. Quando me chamaram para vir para cá, aceitei porque também queria visitar nosso time. Temos grandes profissionais no Brasil. Ao SXSW também costumamos ir. Song e Droga5 sempre têm alguém lá. Nick Law esteve no SXSW neste ano. Também fui chamado para o SXSW, mas não pude ir.

Clubeonline – No SXSW deste ano, o tema principal foi IA generativa.

DrogaSim, claro. Tinha de ser. Dois anos atrás, cada painel falava de metaverso. Este é um assunto que não vai deixar de ser debatido, mas as discussões mudam. Web3 também é relevante. Mas a IA generativa é realmente uma tecnologia transformadora. Ela não vai sair de cena. Não é simplesmente hype.

Clubeonline – Qual sua visão sobre o impacto dessa tecnologia sobre o negócio da publicidade? Vocês já têm trabalhado bastante com IA generativa?

DrogaVou voltar um pouco. Para a Accenture, IA generativa não é algo novo. Estamos atentos a todas as tecnologias emergentes. A Accenture publicou papers a respeito em 2017. Claro que agora ela está mais voltada para o consumidor. Todos estão falando a respeito. Clientes estão sempre em busca de resultados, quer a gente tenha um estúdio de produção com mil pessoas trabalhando, quer a gente tenha um time de 200 pessoas. Sinto que a IA irá aprimorar e acelerar o que fazemos. Mas ainda temos de usar nosso conjunto de habilidades, nosso conhecimento, nossas estratégias, nossas experiências. A IA é mais uma ferramenta. Porém ela vai transformar nosso trabalho.

Clubeonline – Você diz que é mais uma ferramenta, mas a IA generativa virou um fenômeno.

DrogaSim. Porque ela é muito rápida. Ela pode acelerar o que precisamos fazer. Ela vai mudar a maneira como pesquisamos coisas e fazemos conexões entre elas. Acho que vamos ter de aprender a trabalhar com uma velocidade diferente.

Clubeonline – Tem preocupações a respeito da IA?

Droga Eu me preocupo com o emprego das pessoas. Porque ela pode fazer com que um trabalho que envolva mil pessoas só necessite ser feito por 100. Esse tipo de preocupação eu tenho. Se eu tenho medo de que nos superem em criatividade? Não. Como disse no painel (do Web Summit Rio), ela vai substituir o trabalho preguiçoso e medíocre. Sempre haverá necessidade de algo mais perspicaz. Ela não vai nos transformar em robôs sem alma. De certa forma, fico feliz que as pessoas estejam preocupadas com essa tecnologia, estejam preocupadas em pensar em como criar mecanismos de proteção e diretrizes a respeito de uma IA responsável. Não fizemos isso com tecnologias anteriores e, nesse sentido, estamos tentando recuperar o atraso. Então, sim, devemos nos preocupar e construir pontes. Não sabemos como as coisas vão ser. Mas há maiores chances que tenhamos menos problemas se trabalharmos juntos nessas questões. Não sou um otimista do tipo que diz “sim, isso vai ser fantástico”. Tenho um otimismo saudável. Mas o pessimismo também é necessário para garantir que façamos a coisa certa. Espero que líderes e corporações não sejam seduzidos pelo benefício econômico. No passado, com outras tecnologias, muita gente tratou disso como se fosse uma espécie de corrida do ouro e hoje se paga o preço.

Clubeonline – Algumas agências já estão usando os serviços premium da IA generativa. Há algum problema nisso?

DrogaVocê pode ficar de fora e protestar contra ela. Mas a tecnologia é irrefutável. Ela vai se tornar algo. Então, chegue cedo e busque influenciar o que ela pode se tornar. Chegue cedo nela e certifique-se de não será substituído. Trabalhe com ela, não contra. Porque se for contra, você não irá ganhar dela.

Clubeonline – Então, seu conselho é para experimentar a IA?

DrogaÉ o que estamos fazendo agora: estamos experimentando. Não apenas para ter resultados genéricos. Estamos trabalhando com talentos experientes para estabelecermos uma direção. Por isso, criamos uma força tarefa composta por gente brilhante que está trabalhando nesse sentido.

Clubeonline – Quem está mais interessado em trabalhar com essa tecnologia: os clientes ou as agências?

DrogaClientes, definitivamente. Eles estão com três dilemas: Como isso vai amplificar meus negócios? Como isso vai salvar meu negócio? Isso vai destruir meu negócio? Eles se alternam entre os três. A IA vai ser algo tão dentro do cotidiano como se a gente falasse hoje “ah, não acredito na internet”. A IA generativa vai fazer parte de qualquer negócio. Ela vai operar na velocidade. O mundo, as pessoas, os consumidores e os clientes estão acostumados com isso. Para acompanhar isso, será necessário estar em sincronia. Sou arrogante ou ingênuo o suficiente para acreditar que podemos ter uma influência positiva sobre isso.

Clubeonline – O que você pode falar sobre a operação brasileira? Pode falar sobre a performance?

DrogaÉ uma operação muito forte. Não entramos em detalhes sobre pessoas e receitas. Mas direi que está crescendo rapidamente. E está fazendo isso da maneira certa. A parte da mídia é algo diferente aqui (no mercado brasileiro). E não estou dizendo se isso é bom ou ruim. É apenas diferente. Mas acho que estamos crescendo rapidamente e a melhor maneira de ilustrar isso é que, quando falo com minha equipe global, aponto muito do que está acontecendo no Brasil como exemplo. O Brasil está no top 5 das nossas operações no mundo. E acredito que podemos crescer mais. A credibilidade da Accenture é imensa. A influência que ela tem na transformação dos negócios é comprovada. É por isso que está crescendo tão rapidamente. Combinamos tecnologia e criatividade de uma forma que ninguém mais poderia. Antes, quando as pessoas pensavam na gente, falavam de uma empresa de tecnologia, mas não falavam de criatividade. Bem, nós temos grande criatividade. Nós acertamos nisso e ninguém realmente encaixou tão bem tudo isso junto.

Lena Castellón, do Rio.

Geralzona + Entrevista

/