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O impacto da crise no mercado do audiovisual
A pandemia causada pelo coronavírus atingiu em cheio o mercado de produção audiovisual publicitária. Sem possibilidade de realizar filmagens externas, em razão da necessária contingência social para combater o avanço da Covid-19 (leia aqui), as produtoras procuram driblar a crise recorrendo a banco de imagens, uso de cenas de comerciais rodados anteriormente, captações remotas e animações, entre outros recursos.
Para acrescentar mais um fator complicador a essa equação já desequilibrada, um antigo problema volta à tona com força total nesse período: alguns anunciantes e agências se aproveitam do momento delicado para apertar os fornecedores no que tange as regras de remuneração, cancelando, parcelando ou atrasando pagamentos às produtoras de imagem e de som.
Os golpes são duros, mas o setor audiovisual luta. No início do mês, 14 entidades do mercado de São Paulo, entre elas a APRO (Associação Brasileira de Produção de Obras Audiovisuais) e a APROSOM (Associação Brasileira de Produtoras de Som), encaminharam ao prefeito Bruno Covas algumas sugestões para que o poder público adote medidas emergenciais para integrar uma "política de contenção de danos e de manutenção do setor" (leia aqui).
Paralelamente, a APRO está desenvolvendo um Plano de Contingenciamento junto com as associadas para esse período, com iniciativas que pretendem ajudar a mitigar os efeitos da crise. "As ações variam desde assessoria a questões tributárias e trabalhistas, até negociações com o governo e instituições financeiras, buscando linhas de crédito para capital de giro", conta a presidente-executiva da entidade, Marianna Souza.
Sobre as questões trabalhistas, a entidade participa de um Grupo de Trabalho, liderado pelo SIAESP (Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo) e SINDCINE (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual), que está discutindo um Acordo Emergencial.
Em relação à questão dos pagamentos em atraso por parte das empresas às produtoras, a APRO lançou uma carta aberta aos anunciantes (leia aqui). A entidade detectou que 95% das associadas estão com pagamentos em atraso e/ou tiveram pedidos de prorrogação de prazo. O montante estimado de prorrogações e atrasos de pagamentos somam mais de R$ 25 milhões.
Além disso, a APRO, inspirada nas práticas observadas em países que já estão retomando suas atividades, começa a desenvolver um "Protocolo de Medidas Sanitárias & de Segurança". "A ideia é que estejamos preparados para a retomada das atividades", destaca Marianna.
Mesmo com essas ações combinadas e com a tentativa de conquistar apoio do poder público para diminuir o impacto da crise, em um negócio que atualmente emprega mais de 300 mil pessoas, muitas produtoras estão vivendo a realidade de cortes de funcionários.
No entanto, em geral, os executivos que estão à frente das produtoras de imagem e de som afirmam estar lutando para garantir seus quadros e os empregos durante essa quarentena.
"Aqui fizemos uma reestruturação geral, diminuindo salários, e estamos tentando passar por esse período sem ter que demitir, apesar de não sabermos ainda quando poderemos retomar filmagens externas com segurança", conta Carlos Righi, sócio da Damasco Filmes. Mesmo com a impossibilidade de rodar externamente, o profissional ressalta que a equipe está desenvolvendo projetos usando alternativas viáveis. "Esta semana, por exemplo, vamos filmar remotamente", pontua o produtor associado.
Outra produtora que também garante estar priorizando pessoas em meio à pandemia é a Sentimental Filme. Marcos Araujo, sócio e diretor executivo, observa que o esforço tem sido manter, até o momento, todos os empregos, tendo realizado até o mês de março os pagamentos integrais de todos os colaboradores e funcionários. "Para o mês de abril, adotamos um percentual de redução nos rendimentos, com objetivo de que esse sacrifício de todos salve o emprego de alguns e possamos ainda manter todo o time que tínhamos antes da paralisação", pondera.
Para ele, o maior desafio é prolongar ao máximo o caixa da empresa, tentando equacionar receita e despesa. "Para tanto, tivemos que adotar também uma reprogramação dos pagamentos de fornecedores e equipes. Esse novo planejamento visa a saúde financeira da empresa, para que seja possível, mesmo que em prazos mais extensos, honrar os pagamentos", acrescenta Araujo. "É importante afirmar que, num momento como esse, se um cliente não paga a produtora no vencimento, que de costume já é elástico, aniquila toda uma cadeia de profissionais e fornecedores que prestaram esse serviço suportado pela produtora", analisa o sócio da Sentimental, acrescentando que estuda a possibilidade de que a produtora recorra às linhas de crédito de auxílio às empresas dos bancos.
Araujo destaca ainda que o que mais chama a atenção em meio a esse colapso é a falta de previsibilidade. "Como não sabemos a extensão do isolamento e o tempo que ficaremos sem exercer a função principal do nosso negócio, que é filmar, fica difícil planejar e programar com precisão qualquer cenário financeiro", lamenta.
Apesar de reconhecer que nesses 18 anos de mercado a Sentimental nunca tenha passado por nada parecido, o diretor executivo está confiante no futuro. "Temos vivido dias bem difíceis, mas tenho a convicção de que com as conversas e o apoio que estamos tendo dos nossos clientes e, principalmente, dos nossos parceiros, tanto de dentro quanto de fora da produtora, sairemos dessa situação mais fortalecidos e com relações profissionais e humanas mais sólidas", completa.
A dimensão do impacto da Covid-19 não apenas no mercado audiovisual, mas também em todas as esferas da vida de cada um é uma percepção também compartilhada por Kito Siqueira, sócio-fundador da Satélite Áudio. "Um evento desse tamanho transforma muito nossa existência e nossas relações. Apesar de todo o lado trágico e caótico que uma pandemia traz, é um momento histórico e único que estamos vivendo. Com essa situação, vamos aprender não somente sobre nosso mercado, mas sobre a vida em um aspecto mais amplo. Aprenderemos a refazer a sociedade. É imenso, desafiador, um caminho cheio de perigos e de oportunidades. A situação é difícil, mas pode transformar para o bem", avalia.
Para ele, enfrentar o cenário significa estabelecer um amplo diálogo entre governo, clientes, agências, produtores, profissionais do mercado de áudio, músicos e profissionais da voz, de modo a se criar soluções para a cadeia completa de produção.
Siqueira afirma que, na Satelite, até o momento não houve demissões ou reduções de salários. "Estamos nos esforçando ao máximo nesses dias para manter a nossa equipe. Adiantamos férias de parte dos profissionais e outra parte está trabalhando remotamente, mantendo os trabalhos e entregas, que diminuíram, porém, requerem muita agilidade e a qualidade de sempre", destaca.
Com empresas e agências buscando viabilizar novos projetos ou adaptar estratégias anteriores, o mercado vem atuando com um quadro emergencial, na avaliação de Siqueira. "Temos prazos, restrições e requisições nunca imaginados anteriormente e com negociações muito diferentes das anteriores", comenta. "Historicamente, nesses momentos clientes usam a situação para apertar ainda mais a corda e restringir verbas. Esse movimento vem acontecendo há anos, mas isso tem um limite e cabe aos profissionais manterem suas posições, valores e respeito", adverte.
Já a Play it Again também garante que está procurando manter sua equipe durante a crise. "Nos 31 anos de história da empresa, já passamos por vários desafios, talvez não tão inusitados e inesperados como este, mas que nos fortaleceram para encarar mais um. A Play foi fundada em 1989 e no ano seguinte tivemos o confisco realizado pelo governo Collor. Costumo brincar que já fomos forjados no espírito de luta e do trabalho forte", lembra o produtor executivo Andre Minassian.
Segundo ele, até o momento não houve demissões e nem diminuição nos salários dos profissionais que integram a equipe. "Estamos, sim, com um grande esforço do departamento financeiro para repensar gastos e viabilizar meios de nos manter. O fato é: está difícil para todo mundo, cada um do seu tamanho. Por isso, o que decidimos foi negociar o prazo de pagamento dos cachês referentes às produções em andamento, com a equipe interna" (vale explicar que, na Play, assim como em grande parte das produtoras, os profissionais contratados têm salário fixo e também cachês, que variam conforme o número de produções realizadas).
Já Bruno Weege, head de atendimento da Fantástica Fábrica de Filmes, ressalta que os governos estaduais e municipais deveriam devolver ao setor, e aos profissionais que o compõem, aquilo que é recolhido via impostos, cortando taxas e cobranças nesse momento de pandemia, além de promover eventos, shows, espetáculos de música, literatura, teatro, entre outros, via internet, estimulando a produção e a cultura, ao mesmo tempo. "Não estou vendo os governos municipais e estaduais agirem em prol de uma categoria que está tolhida de trabalhar, como acontece em diversos locais ao redor do mundo", lamenta.
No Brasil, a Netflix doou US$ 5 milhões para a criação de um fundo emergencial de apoio a trabalhadores do setor, gerido pelo Icab (Instituto de Conteúdos Audiovisuais Brasileiro) aqui. A doação faz parte dos esforços do fundo de US$ 100 milhões criado pela empresa de streaming para apoiar principalmente os trabalhadores mais atingidos nas próprias produções da companhia, no mundo, todas suspensas (leia qui).
Leia também sobre o fim do departamento de publicidade da Conspiração, fato que obviamente gerou demissões, aqui.
Valéria Campos