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Big techs abraçam Globo e mergulham nos merchans
No final de outubro, uma ação do TikTok (conteúdo de marca) foi apresentada em um formato diferente no intervalo do Jornal Nacional, uma espécie de recorte do programa Conversa com Bial, e provocou questionamentos por conta da matéria exibida logo no retorno do noticiário, falar sobre acusações contra a Meta em processos abertos na Justiça norte-americana. Além das duas companhias serem concorrentes no campo dos vídeos curtos, o programa jornalístico não incluiu na matéria acusações enfrentadas também pelo app chinês na Justiça dos EUA. Tanto a emissora quanto a plataforma afirmaram que o caso se tratou de coincidência, como reportamos no Clubeonline.
Pouco tempo depois, outras ações de conteúdo de marca foram exibidas na Globo, seguindo esse modelo. Desta vez, quem investiu no formato foi a Meta, aquela que havia sido assunto de matéria no JN. A Meta teve seu nome e seus aplicativos inseridos nos roteiros dos programas de Ana Maria Braga, Marcos Mion e Serginho Groisman. A estratégia foi um desdobramento da campanha “Tá na sua mão”, criada pela AlmapBBDO, junto com M1 e Spark.
Esses dois exemplos de conteúdos de marca não são uma simples interrupção para um talento da TV falar de um anunciante. Na verdade, em vez de essas ações serem vistas como algo negociado com o departamento comercial, podem ser até confundidas com o conteúdo “editorial” – as aspas se aplicam porque nenhum dos programas é da área de jornalismo. Tal modelo de merchan tem atraído mais interesse das marcas, que desejam que essas estratégias tenham cada vez menos cara do que são: propaganda.
As intervenções encomendadas pelas duas companhias de tecnologia podem ser confundidas pelo telespectador menos atento. Vale explicar como elas se desenrolaram. No caso da Meta, quatro ações foram criadas para as seguintes atrações: Mais Você, É de Casa, Caldeirão com Mion (dentro do quadro “Isso a Globo Mostra”) e Altas Horas. Elas tiveram as participações das pessoas que estrelam a campanha “Tá na sua mão”: o “influenciador” Vitor DiCastro, a empreendedora Vovó Lóca, famosa por fazer coxinhas, os pedreiros e cantores Charles, Isaías, Davi e Renan; e a dupla rapper Tasha & Tracie.
Diante do pouco tempo entre as exibições dos programetes do TikTok e as ações da Meta na Globo, poderia se pensar que a companhia fundada por Mark Zuckerberg reagiu à estratégia da concorrente, investindo alto para ter a marca “invadindo” as atrações da TV. Mas, de acordo com a Meta, o merchan já estava sendo discutido quando o TikTok entrou em cena.
Na estratégia da plataforma de vídeos, a intervenção que mais chamou atenção foi a protagonizada por Bial, que entrevistou o psiquiatra Jairo Bouer. A conversa fazia parte do programa. O que foi ao ar no break do JN foi um trecho do papo, em que apareceu um QR Code e a marca do TikTok. No programa noturno, Bial e Bouer discorreram sobre o impacto das redes sociais na autoestima de adolescentes. A parte comercial, que abordou o recurso de sincronização de contas para aumentar a segurança do app, ficou no final. O trecho pode ser visto no Globoplay, onde ficam disponíveis as atrações da TV aberta.
Também na campanha da Meta foram disponibilizados QR Codes quando entrou o conteúdo de marca nos quatro programas – as ações podem ser conferidas no Globoplay. No Mais Você, VitorDiCastro presenteou Ana Maria com um mapa astral e contou, entre almofadas com os ícones dos aplicativos da empresa, como conheceu seu marido por meio de um grupo no Facebook.
No Altas Horas, Tasha & Tracie apareceram em um vídeo contando a história delas e a maneira como usaram os app da companhia para deslanchar a carreira. Depois, elas foram até o palco para uma rápida conversa com o apresentador Serginho Groisman, que as chamou de “garotas Meta”, antes de cantarem. No É de casa, a Vovó Lóca foi entrevistada por um repórter para contar como o Instagram e o WhatsApp a ajudaram a vender mais coxinhas.
As ações da Meta na Globo foram definidas com seu grupo de agências e com profissionais da emissora. Beatriz Bottesi, diretora de marketing da big tech, contou que “Tá na sua mão” tinha uma duração prevista de 12 semanas. O objetivo era falar da marca-mãe e dos aplicativos Instagram, Facebook, WhatsApp e também de funcionalidades como o Reels. “Foi uma campanha de portfólio para falar para todo mundo que esses aplicativos fazem parte da Meta”, disse.
Como o merchandising entrou na história? Não foi no início dos planos. A decisão da Meta lançar no país sua primeira campanha de massa foi inspirada numa estratégia da Meta das Filipinas, que é um mercado menor, mas que tem algumas similaridades com o brasileiro. Lá, eles tinham feito uma campanha com duração de um mês para difundir a marca corporativa e seus apps. Os resultados foram tão bem avaliados que a operação brasileira acionou a sede global para desenvolver estratégia semelhante, porém amplificada. A ideia foi aprovada e em janeiro se deram as primeiras conversas a respeito.
No decorrer das conversas, estava claro que a companhia podia investir em mais formatos. Foi em torno de setembro que surgiram as primeiras discussões sobre as marcas entrarem na programação. Foi preciso muito planejamento para definir como seriam as ações. “Pegamos a grade de merchandising e fomos discutindo caso a caso para amplificar a mensagem que queríamos passar. Essa parte da campanha foi desenhada com muita inteligência. Onde levar Tasha & Tracie? Num programa de música”, exemplificou a executiva.
Segunda fase aprovada
Os resultados e as métricas apresentadas pela Globo para a Meta agradaram a big tech a ponto de a companhia decidir que virá uma segunda fase da campanha. “Em fevereiro vem a nova onda. Já aprovamos com o global”, revelou Beatriz. Ela não antecipou como devem ser as próximas ações, mas indicou que será replicado “o que deu certo”. Há alguns aprendizados ainda para serem incorporados ao planejamento, emendou. O importante é ter uma boa mensuração do merchan para garantir que “cada centavo seja bem alocado”.
Para a Globo, existem soluções “para os mais diversos objetivos de negócios das marcas”. A afirmação é de Manzar Feres, diretora de negócios integrados em publicidade. O Clubeonline procurou a empresa para entender como são desenvolvidos esses projetos e se são as companhias digitais que têm acionado a Globo em busca de formatos diferenciados, além de questionar se há conflitos com esse modelo.
De acordo com Manzar, o foco da empresa é "disponibilizar projetos customizados, contextualizados e com muita convergência entre telas e plataformas, o que é uma das nossas fortalezas e fatores de diferenciação no mercado”. Essa proposta vale para marcas de todas as indústrias, explicou. Em suas palavras, isso passa pela disponibilização de formatos publicitários exclusivos e inclui a construção de soluções personalizadas, cocriadas com anunciantes e agências de publicidade, como foram os casos de Meta e TikTok.
“Dessa forma, agregamos audiências e diferentes perfis de consumidores, potencializando conversas e impactando positivamente os negócios dos anunciantes, especialmente aqueles interessados em construção de marca”, declarou. Manzar afirmou que, em um único dia, a Globo conversa com uma quantidade de pessoas muito superior à que plataformas de vídeo levam para alcançar em um mês. “Essa amplificação de alcance é especificamente positiva para as marcas nativas digitais”.
Sobre as ações de merchandising desenvolvidas, Manzar comentou que, “numa era onde atenção é a moeda de maior valor, estar presente de forma contextualizada em um conteúdo que engaja e reverbera é cada vez mais importante para se construir novas pontes e relacionamentos”. Em relação a eventuais conflitos de interesse entre Meta e TikTok, ela respondeu que os projetos foram desenhados de forma personalizada e os espaços de publicidade não competiram entre si, não tendo a necessidade de bloqueio de segmento.
Merchan ou não?
Os brasileiros estão habituados a merchandising (product placement), uma estratégia muito usada em programas de auditório e esportivos, por exemplo – e mais recentemente em novelas. Fica muito claro quando o apresentador entra no “minuto comercial”. Mas isso no modelo padrão. Nas ações de Meta e TikTok essa percepção fica mais diluída. Mas não seria importante deixar evidente de algum modo de que se trata de um momento comprado por marca, como ocorre com os posts patrocinados nas redes sociais?
Um profissional da área de mídia consultado pelo Clubeonline respondeu em off que não há quem levante essa bandeira no mercado, embora, sim, exista essa questão. De modo geral, as emissoras estão se flexibilizando mais para negociar diferentes tipos de interações. Entre as propostas disponíveis, há ações de visualização, em que a marca apenas aparece em cena, podendo ser uma loja ou um produto. O cinema, por exemplo, é rico em estratégias de product placement. E há as ações integradas, quando um roteirista do programa precisa ser acionado.
Isso vale para atrações da linha de variedades, entretenimento e esporte. Tudo o que tiver credibilidade e conteúdo informativo em jogo, como os programas de jornalismo, está fora do cardápio de merchandising. Pedro Bial, embora tenha fortes vínculos com o jornalismo, não tem seu programa dentro desse setor.
Na análise desse profissional, há muitos anos as emissoras vendem programetes ou testemunhais. A frase “O agro é pop” está dentro desse conceito. Mas o casamento de uma ação comercial com conteúdo não é algo tão comum. E, por isso, chama atenção. Quando surge algo desse gênero, os clientes procuram suas agências para falar que querem aquilo também. As marcas querem mais ações integradas. Querem se afastar do modelo de balcão quando investem em um programa de entretenimento.
Com tudo isso, o custo de um projeto com ações integrando propaganda e conteúdo do programa sai bastante caro. Afinal, é oneroso ter uma entrega dessas, em que apresentadores e entrevistados interagem para falar dos benefícios de uma marca. Dependendo do alcance do merchandising, o custo é significativo especialmente quando se compara aos valores investidos para veiculação de um comercial em um determinado break. Ainda mais se a ação der a impressão de que faz naturalmente parte da programação.