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No Free Pitches

Brasileiros criam petição contra concorrência de graça

09.02.24

Com as portas oficialmente abertas em Nova York em agosto de 2019, o estúdio Porto Rocha, uma agência de design especializada em branding, vem desenvolvendo diversos projetos para marcas globais. No ano passado, os sócios Felipe Rocha e Leo Porto, brasileiros que atuam juntos desde 2016, perceberam que clientes grandes, que antes não costumavam promover concorrências, passaram a pedir "trabalho de graça – ou minimamente pagos – como pretexto de processo seletivo".

Essa é uma prática que não é novidade na publicidade. Mas Felipe e Leo não viam isso acontecer comumente na área de branding.

Em 2023, eles aceitaram passar por alguns desses pitches. Um dos motivos foi o fato de o ano estar “um pouco mais lento para novos negócios”, como disseram os sócios. Também havia trabalhos que seriam de grande impacto. Além disso, existia uma ótima relação com alguns clientes, o que dava muita confiança para eles de que ganhariam o projeto.

Finalizado o ano e com 2024 ainda em seu início, Felipe e Leo repensaram a questão. “Colocamos muito esforço e investimento nessas concorrências, que não valeram a pena. Conversamos também com várias outras pessoas da indústria sobre o assunto e o sentimento é bem mais comum do que imaginamos. Foi aí que decidimos que era hora de tomar uma atitude”, contaram.

Os sócios resolveram assumir um posicionamento público sobre o assunto. E desse modo nasceu o “No Free Pitches. Felipe e Leo defendem que concorrências não pagas ou mal remuneradas são “um retrocesso para a indústria”. O manifesto que elaboraram procura provocar reflexões e convida outros profissionais que concordam com essa visão a assinarem a petição e compartilharem a crítica.

Até o momento, mais de 4,8 mil profissionais referendaram o manifesto, entre eles muitos brasileiros. O texto está dirigido para quem trabalha na área e para quem contrata esses serviços.

O documento diz: “Em todas as disciplinas e indústrias (...) notamos uma mudança: os clientes estão solicitando mais trabalhos com pouco ou nenhum orçamento e com prazos mais apertados, sob o pretexto de ser um ‘pitch’. A tempestade perfeita de fatores que levou a esta realidade (ansiedade pós-pandemia, incerteza econômica, executivos avessos ao risco) não é o que pretendemos desvendar. Estamos aqui porque as propostas não remuneradas e mal remuneradas têm se tornado cada vez mais a regra, não a exceção – e isso é um problema.

Não negamos que conhecer um potencial parceiro criativo é fundamental para ambos os lados. Mas se é um passo tão importante, e o pitch é o meio para de fato chegar lá, por que não o honramos com pagamento? Esta não é a primeira vez que a nossa indústria reconsidera uma prática laboral (ver também o estágio não remunerado) e não será a última.

Nós nos recusamos a participar de pitches criativos não remunerados a partir de agora. Estamos cientes de que esta é uma posição privilegiada a assumir e não criticamos os outros por participarem de concorrências. É por meio da ação coletiva que surge a mudança estrutural. Juntos, procuramos causar impacto para todos os envolvidos: nossos pares, nossos clientes e a nossa prática.

Esta resolução serve como fórum de solidariedade e trampolim para a recusa: deve ser assinada, compartilhada e discutida. Vamos fazer de 2024 o ano em que seremos pagos por todo o nosso trabalho."

Os autores elaboraram dez pontos para esclarecer por que esses processos são danosos para a indústria.

01 - Pitching is a symptom of a broken system.
02 - Pitching is extremely time and resource intensive.
03 - Pitching mandates unreasonable deadlines that impede meaningful work.
04 - Pitching strains team mental health and motivation.
05 - Pitching is political: who you know is often as important as what you present.
06 - Pitching puts your ideas at risk of being used even if not selected.
07 - Pitching excludes many who don’t have the resources to participate.
08 - Pitching creates an unfair playing field between big and small studios.
09 - Pitching is not the only option when it comes to evaluating a creative partner.
10 - Pitching without pay is an outdated practice that no longer belongs in our industry.

O escritório da Porto Rocha tem um time composto de 28 pessoas, entre designers, estrategistas e gerentes de projeto. São profissionais de diferentes culturas e países: Brasil, EUA, Inglaterra, Itália, Canada, Uruguai, México, Israel, Arábia Saudita, República Tcheca e Coreia do Sul. A agência conquistou vários prêmios importantes de design como Type Directors Club, AIGA 50 Covers e D&AD, que, em 2022, os nomeou como melhor estúdio independente de design.

Dentro do guarda-chuva de branding, a agência tem atuado em outras disciplinas, como estratégia, naming, design digital, animação, editorial e experiências. A lista de clientes inclui empresas como Apple, Nike, Netflix, Spotify, W Hotels, Coinbase, Sundance Film Festival, Vevo e Universal Music. Também desenvolvem projetos para marcas do Brasil que buscam um olhar global, caso de Quinto Andar, Olympikus e Porto Seguro.

Confira entrevista feita com os sócios da Porto Rocha:

Clubeonline – Foi difícil tomar a decisão de criar esse manifesto?

Felipe Rocha e Leo PortoNão foi difícil tomar essa decisão porque é um sentimento coletivo entre todos da Porto Rocha. Mas tivemos muito cuidado em escrever o manifesto de um jeito que contemplasse também outros pontos de vista. A gente sabe que é uma decisão privilegiada poder dizer “não” para uma oportunidade de trabalho, mas, ao mesmo tempo, é importante para nós, como líderes no meio em que atuamos, incentivar esse movimento.

Clubeonline - Como tem sido a adesão?

Felipe e LeoEstamos bem impressionados com a adesão, que confirmou o que suspeitávamos. O mais interessante é ver que realmente isso é uma questão global que atravessa estúdios e agências de vários tamanhos e ramos. É curioso ver que a petição estourou a bolha do design e tem sido divulgada em outras disciplinas criativas como fotografia e vídeo. Recebemos assinaturas de lugares muito diferentes, incluindo todos os continentes – de grandes centros urbanos a ilhas super remotas.

Clubeonline - E em relação aos brasileiros?

Felipe e Leo - Por termos uma rede bem grande no Brasil, muitos brasileiros assinaram e estão assinando a petição. São Paulo é a cidade com mais assinaturas, junto com Nova York e Londres. Acho muito importante a adesão do Brasil porque sei, por experiência própria, que essa é uma cultura muito presente no nosso país, principalmente pela influência da indústria de publicidade nos estúdios de design. Muitas vezes a disciplina de design ainda é vista como um braço de publicidade, e designers são apenas os “executores” de uma ideia vinda da criação. Design e publicidade, apesar de terem muitas semelhanças, são disciplinas diferentes que precisam de processos e metodologias diferentes também. O tempo de criação de uma campanha é diferente do tempo de desenvolvimento de uma marca. Não dá para aplicar o mesmo método de avaliação para os dois.

Clubeonline - Vocês estão sentindo alguma mudança por parte dos clientes?

Felipe e LeoÉ muito cedo para dizer que já aconteceu alguma mudança tangível, mas é gratificante ver muitos gerentes de marca e profissionais que trabalham in-house assinando a petição. A gente acredita que a mudança só é possível se vier de todos os lados. Além disso, na última semana duas situações curiosas aconteceram: 1. Fizemos uma palestra para um time interno de design de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo. No final, a gente comentou sobre a nossa iniciativa e a reação da audiência foi imediata e super positiva. 2. Fomos abordados por outra gigante de tecnologia para um trabalho novo e uma das primeiras frases que eles falaram na reunião foi “não se preocupem, não é concorrência”. Entendemos que as coisas não vão mudar do dia para noite, mas se algum cliente pensar duas vezes antes de enviar uma solicitação de concorrência não paga, já impactamos em algo.

 

Lena Castellón

No Free Pitches

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