Acesso exclusivo para sócios corporativos

Ainda não é Sócio do Clube de Criação? Associe-se agora!
Acesso exclusivo para sócios corporativos
Ainda não é Sócio do Clube de Criação? Associe-se agora!
O Brasil precisa de 80 Leões?
A sensação que fica depois de terminado o debate "O Brasil precisa de 80 Leões" é a de que a discussão - pela sua complexidade e importância para o mercado - merece continuar. Mesmo porque, não há unanimidade quando se aborda o tema e há vários pontos de vista a serem considerados em diversas vertentes da questão.
Alexandre Zaghi Lemos (Meio & Mensagem) foi o moderador do bate-papo, que contou com a participação de Anselmo Ramos (Ogilvy & Mather), Fernando Campos (Santa Clara), João Livi (Talent), Ícaro Doria (Wieden+Kennedy), Rynaldo Gondim (AlmapBBDO) e Carlos Murilo Moreno (Nissan).
Lemos iniciou a discussão perguntando o que os profissionais da mesa pensavam sobre a pergunta-tema do debate: afinal, o Brasil precisa conqusitar 80 Leões no Festival de Cannes? Isso é benéfico para o mercado?
Anselmo defendeu que, se o Brasil está participando do jogo, tem que entrar para ganhar. "Acho que temos que conquistar Leões, sim, mas, mais importante que a quantidade é a qualidade, ganhar em categorias que não estamos faturando, como Titanium, por exemplo", afirmou.
"No contexto de uma multinacional, como a Ogilvy, por exemplo, os grandes clientes, como Coca-Cola e Unilever, dizem que nem precisam mais passar briefing, porque a agência já sabe qual a linha da comunicação. Eles esperam que a agência seja pró-ativa, esperam por ideias pró-ativas. E foi com essas ideias que ganhamos Leões. Ou seja, Leão, para nós, é business", completou Anselmo.
Já Campos, autor do texto que inspirou este debate (leia aqui), ressaltou que a discussão abrange vários pontos. Ele começou definindo o que considera "anúncio fantasma". "Dá para jogar com o regulamento para o anúncio deixar de ser fantasma. Mas para mim, anúncio fantasma é aquele que não existiria se o festival não existisse."
Ele defendeu que essa busca enlouquecida por Leões traz consequências negativas para o negócio da propaganda, de forma coletiva. "Acho que essas experiências podem ser até legítimas se analisadas individualmente, mas e as consequências coletivas? Acho que o Brasil precisa de mais respeito. Se forem 80 Leões legítimos, terá mais respeito", disse. "O Brasil não precisa de quantidade específica de Leões, precisa de respeito".
Ícaro Doria lembrou que o Festival passou a distribuir mais Leões. "Hoje, a agência acha que precisa ganhar 16, 20 Leões para dizer ao mercado que é a melhor porque ganhou maior número de prêmios, o que é uma inverdade", opinou.
Ele citou a campanha "Pôneis Malditos", criada pela Lew'LaraTBWA que, apesar de não ter sido premiada em Cannes, é reconhecida pelo público e trouxe resultados importantes para o anunciante. "Claro que Cannes tem importância, mas devemos dar a importância correta ao Festival. É um ambiente de troca, de aprendizado", disse.
Livi observou que o Brasil não precisa de 80 Leões, mas comparou com o orgasmo: "dá para viver sem, mas que é bom, é bom. Contudo, o prêmio deve ser consequência do trabalho, e não o trabalho em si".
Moreno, como único representante de empresa anunciante na mesa de discussão, falou que "cliente pensa diferente de agência": "Se a ideia trouxer vendas, estou satisfeito". E em seguida ponderou: "Claro que quando o cliente avalia uma agência, ele olha para os prêmios que ela ganhou e para os clientes que ela vem conquistando".
E continuou: "Em relação a prêmio, ninguém que vai no Salão do Automóvel acha que carro conceito é fantasma. Ninguém fala que a empresa está enrolando ou enganando. Quando vou a Cannes, vejo muita coisa que não vi aqui no Brasil. Mas entendo que ali é local para soltar o pensamento e verificar tendências. A indústria vive de prêmio. Ela se pergunta: como eu vou me destacar?. Acho que o Brasil tem que ganhar 80 Leões, sim, como uma ferramenta de marketing para as agências, mas isso não significa que o anunciante deva ficar quieto se perceber que a agência está colocando sua força de trabalho focada na criação de fantasmas em detrimento do dia-a-dia. Se isso acontecer, se deixarem de me atender no prazo e da forma que preciso, mudo de agência na hora".
Já Gondim disse que "essa busca absurda por medalhas nos gerou e gera prejuízos graves". Ele contou que, quando conversa com criativos mais velhos, ouve contar que quando eles iam preencher formulários de entrada em hotéis, 30 anos atrás, tinham vergonha de escrever que eram 'publicitários' na ficha de hóspede. Depois, isso mudou e a profissão passou a desfrutar de um glamour até excessivo, na opinião do criativo. Contudo, ele pontua, alguns fênomenos - como por exemplo o fato de as agências criarem descaradamente para contas do terceiro setor com o único intuito de ganhar prêmios, muitas vezes não gerando para as entidades anunciadas nem o valor pago para fazer a inscrição da campanha em um festival - como responsáveis por uma grande vergonha para a profissão, que poderiam até mesmo fazer com que os publicitários voltassem a ter vergonha de escrever sua profissão nas fichas dos hotéis. Gondim defendeu inclusive que achava que as ditas categorias ligadas ao terceiro setor não deveriam mais existir em festivais. E ironizou: "Tenho medo de que se um dia for descoberta a cura do câncer algum publicitário vá gritar: 'Caramba, mas nem deu tempo de fazer aquele anúncio'".
João Livi discordou do quadro pintado por Rynaldo e disse que tem muito orgulho de sua profissão e que Gondim estava exagerando.
Campos encerrou dizendo que espera da imprensa especializada maior rigor na cobertura de festivais. Sua última frase foi: "Para constatar como estão as coisas, basta se perguntar: Cannes é um festival que avalia o melhor feito em propaganda ou o melhor que poderia ter sido feito em propaganda?"
Na plateia, a head hunter da The Talent Business, Luciana Ceccato, fez a seguinte colocação: "Em alguns jobs para recolocação internacional de profissionais, cheguei a ser avisada de que não interessava a participação de brasileiros, pelo fato de nossos criativos já estarem com fama mundial de serem focados apenas em anúncios fantasmas e não na resolução, de fato, de problemas do cliente".
Sim, isso é grave.
Leia anteriores sobre o assunto aqui, aqui e aqui.