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Reflexões sobre o iPad
A lógica da internet é inexorável. O preço ideal é grátis. Mas aceita-se o que for bem baratinho. Porque o que interessa mesmo na web é a audiência, o modelo de negócio vem como conseqüência. Quando você tem bastante gente no seu pedaço, conseguir anunciantes ou investidores fica muito mais fácil, não é mesmo? Estão aí os Facebooks da vida para provar a tese. Veja o filme, leia o livro.
Vai falar isso para um homem de negócios da velha economia. Para gente que passou a vida construindo seu negócio com impressoras gigantes e frotas de caminhões para distribuir jornais. Papel é papel, é coisa palpável. Vende ali na esquina. Internet é uma coisa fluida, você paga pra ver mais adiante. E se o retorno não vier?
Pior que isso, devem estar enxergando o jornal digital como o assassino de seu jornal de papel. A revista no iPad tirando assinantes da tradicional e segura versão de papel. Mas pode chamar um analista para ajudar a espantar seus temores, porque o caminho cada vez mais é esse. Basta ler os jornais deles mesmos.
Li na Folha (digital, é claro) que pela primeira vez na história os anunciantes nos EUA vão gastar mais com propaganda na internet do que com anúncios em jornais impressos. Acha que demorou muito? Quem fala é a empresa eMarketer. Publicidade on-line cresceu 14% em 2010, para US$ 25,8 bilhões, enquanto anúncios em jornais impressos caíram 8,2%, para US$ 22,8 bilhões. Para o ano que vem, dizem, este movimento (queda do átomo, subida dos bits) deve continuar, conforme os consumidores migram para a internet.
Quer um dado aqui do Brasil desta migração? O aplicativo da Folha para iPad, há pouco mais de um mês no mercado, já foi baixado por quase 30 mil aparelhos. Depois que o aparelho passou a ser vendido oficialmente (no fim de novembro) no Brasil, o número de downloads mais que dobrou. É o app de jornal mais baixado do país, segundo o ranking da Apple Store.
Cerca de 55 mil pessoas já fizeram o download (em cima é 30, aqui é 55, estou reproduzindo a notícia da Folha) e estão acessando a íntegra do jornal gratuitamente, por um período de degustação. E com isso a Folha também está sendo mais lida nos Estados Unidos, Argentina, Portugal e Reino Unido. Acabou a barreira geográfica.
Palmas para a Folha. O aplicativo dela é melhor e mais prático que o dos concorrentes. É uma verdadeira versão da Folha para o iPad. Estadão e O Globo teimam em manter a foto do jornal de papel o que torna a leitura mais difícil e demora um tempão de download toda vez que você muda de página.
Mas será só esta a razão da preferência da Folha no iPad? Afinal os 3 estão oferecendo leitura integral grátis. O fator preço está de fora. Pode ter também uma dose de fidelidade de marca e hábito? Eu, como usuário, prefiro a Folha pelo aplicativo. Acho muito chato ler os outros jornais no iPad.
Se os jornais tradicionais bobearem correm o risco de perder o bonde da história. O The New York Times é grátis, tem a melhor versão para iPad que conheço, pode começar a ter muitos leitores no Brasil e outros países e fazer versões multi-língua. O Daily deve ser o primeiro jornal feito especialmente para o iPad. O Murdoch o promete para janeiro, por US$ 0,99 por semana (preço de internet).
Acabo de ler que um grupo de jornalistas brasileiros promete, também para janeiro, um diário feito especialmente para iPad. Garantem que seu compromisso será com conteúdo gratuito e qualidade. E já têm um grande investidor. Que venha a concorrência para fazer as pessoas se mexerem mais rápido.
A pergunta que fica é o que a Folha vai fazer com essa preferência dos leitores no iPad? Continuar com o jornal grátis e buscar recursos na propaganda, como faz o New York Times? Começar a cobrar dos leitores e arriscar a liderança? Não percamos o próximo capítulo.
Raul Cruz Lima