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Aqui, lá e em toda parte (Orlei Gonçalves “Passarinho”)
Aqui, lá e em toda parte
Acabei de ler o livro Here, There And Everywhere – Minha Vida Gravando os Beatles, de Geoff Emerick, engenheiro de som inglês conhecido por seu trabalho com os Beatles, com quem trabalhou nos álbuns Revolver, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, White Album e Abbey Road. Ao longo de quase 500 páginas, o autor conta em detalhes as variações e inovações de gravação conseguidas usando os não tão abundantes recursos técnicos disponíveis na época. Trata-se de uma aula deliciosa de como é possível produzir de maneira ousada e inovadora com muita vontade, criatividade e talento.
Enquanto acompanhava o relato detalhado e envolvente de Emerick sobre as relações entre os quatro Beatles e sobre detalhes de como clássicos (A Day in the Life, She’s Leaving Home e The End) foram gravados, fiquei pensando na relação que desenvolvemos, ao longo das últimas décadas, com a tecnologia. Mais especificamente nós que trabalhamos com música. Obviamente, a tecnologia sempre fez parte da nossa atividade. Mas ela também sempre andou de mãos dadas com a imaterialidade necessária para se criar um acorde, um arranjo, a letra perfeita. É isso que faz a produção de som ser algo assim tão especial.
Falando mais especificamente de publicidade, o fato é que todo comercial marcante só existe se a imagem vier acompanhada de uma boa trilha e do som certo. Um comercial incrível é resultado desse casamento perfeito. É o conjunto que vai para nossa memória. Tudo junto.
E como nasce esse casamento perfeito? Como se faz uma boa trilha? Acho que um dos principais pontos é o entrosamento. Entrosamento entre o desejo do cliente, a proposta da agência, a visão do diretor e a percepção do produtor musical. E como entrosar? Com troca, conversa, ajuste... Tempo. E aí chegamos a um dos fatores que mais tem afetado o processo criativo: os prazos estão cada vez menores, cada vez mais enxutos.
Com o advento da tecnologia, cada vez mais estamos conseguindo reduzir prazos de entrega. Os softwares substituem equipamentos inteiros, tudo fica mais rápido. Só que não podemos esquecer que, muitas vezes, o tempo é necessário. Necessário para que uma ideia surja ou simplesmente amadureça, tornando-se “a” ideia. Obviamente que não será assim em todos os trabalhos. Há jobs que pedem uma maior rapidez de entrega. Isso é normal. O que não é normal é que todo job tenha que ser dessa maneira. Estou falando de dar ao trabalho o tempo que o trabalho necessita. A tecnologia, que possibilitou que fossemos mais rápidos, nos viciou na rapidez. Estamos deixando que ela nos leve para a mesmice, que nos lance no óbvio.
Faz tempo que não entro em uma agência para pegar um job e não saia com uma ou mais referências de caminho. É claro que é importante que tenhamos um direcionamento. Mas também faz parte do nosso trabalho perceber o que o filme pede, qual a melhor trilha para aquela peça. Isso é parte do nosso job description. E isso, cada vez mais, não nos tem sido permitido fazer.
A questão é que, normalmente, quando vamos buscar uma referência, nossa memória volta a algo já ouvido, já visitado, já feito. É mais do mesmo. E, muitas vezes, o resultado final acaba sendo “algo que parece com aquilo que alguém já fez”. Pode ser mais rápido, mas é bem menos rico do que encontrar o próprio caminho.
Isso aponta para o modismo. E, no fundo, o modismo pode atrapalhar a criatividade.
Tempo não é gasto. É investido. Que nos permitamos investir mais do nosso tempo para dar vida àquilo que ainda não surgiu, ao que não nasceu. Que possamos encontrar espaço para que as trilhas cumpram sua função e sejam mais uma das linhas narrativas que compõem aquela obra que vai entrar na casa das pessoas com a mensagem de determinada marca, com a imagem de determinado produto. Quem sabe assim tenhamos mais campanhas memoráveis ou, no mínimo, mais afagos criativos no imaginário do público.
Orlei Gonçalves “Passarinho” - Sócio da Produtora Nova Onda