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A minha avó, o pai do Ji Lee e o Festival do Clube (Pádua Sampaio)
Semana passada, cheguei em casa e lembrei que era o aniversário da minha avó. Alguns bons anos atrás, a gente esperava passar das 21h para o interurbano ficar mais barato, fazíamos uma fila indiana do lado do telefone e, um a um, íamos desejando paz, saúde e felicidade. Só não podia demorar muito. Qualquer parabéns a mais poderia significar uma fatura da Teleceará pegando fogo no fim do mês.
Mas dessa vez só consegui falar com ela quando fiz uma chamada de vídeo no WhatsApp. Vão brincando, vovó Alice tira de letra essas novas tecnologias. Quando ensinei o comando de voz do Google, foi uma revolução. Diz-se no bairro que virou comum escutar, na calada da noite, vozes soltas como: “resumo-Senhora-do-Destino”, “horários-missa”, “receita-assado-de-panela”.
Ela também manda e comenta fotos, vídeos, envia emojis e não duvido nada que esteja aprendendo php escondido. Mas, voltando à chamada de vídeo, conversamos, mostrei como seus bisnetos estão grandes e, claro, repeti os mesmos votos de todos os anos, mas agora sem pressa. Vez por outra, me pego lembrando disso. Penso em como deve ser difícil aprender a viver nesse mundo novo e a fazer algo pela primeira vez depois de uma certa idade. Sem perceber, a gente vive cobrando isso das pessoas mais idosas – “você tem que saber usar isso, tem que se modernizar” – mas esquece como é complicado aprender coisas novas quando não se é mais criança.
Para mim também, e a bola da vez é a natação. Aliás, todo mundo acha que sabe nadar até a primeira aula. Falo de nadar mesmo, com garbo e elegância. Até dispenso esses dois, desde que o movimento esteja correto, já que essa novidade veio por recomendação médica. Mas, meu Deus do céu, que negócio complicado: mão direita entra cortando a água, corpo oscila sobre o próprio eixo, vira um pouco a cabeça, respira pela boca, solta pelo nariz, mão esquerda entra, ombro se movimenta. E as pernas, não esquece de bater as pernas. Enquanto isso, os azulejos se movem no fundo da piscina, des-pa-ci-to. Imagino que cada ladrilho é um quarteirão visto de cima a quilômetros de distância, passando lentamente, como se eu estivesse num avião. Nesse momento, os músculos estão sendo inundados de ácido lático, os braços já não respondem, as pernas ameaçam cãibras e lá estou eu sem fôlego outra vez.
Em se tratando de mudanças, nada se compara ao que fez Ji Lee, diretor criativo do Facebook. Em uma palestra no Festival do Clube de Criação, o coreano contou como converteu o próprio pai, Chan Lee – um senhor taciturno, aposentado, de quase 80 anos – em um artista plástico. Ele pediu que Chan fizesse desenhos para o neto Astro, primeiro filho de Ji Lee. Lógico que, sendo um legítimo velho turrão, recusou, botou cara feia e disse que não faria nem a pau, Juvenal. Mas, como diria um conhecido pouco afeito a provérbios, “água mole em pedra dura, apressado come cru.”
O avô topou. Fez o primeiro desenho, que não ficou lá essas coisas. Ji Lee insistiu, a família insistiu, até que o senhor foi pegando gosto, e os desenhos foram melhorando. Hoje, Chan Lee tem uma galeria virtual, perfil com mais de 300 mil seguidores e viaja o mundo expondo seus desenhos. O mais importante é que aquele senhor de cara fechada simplesmente desapareceu no meio das tintas.
Agora fiquei sem saída. Toda vez que entro na piscina gelada, não estou apenas com a minha avó. Está lá também o avô do Astro, me esperando de touca e calção de banho, além de lápis e papel na mão.
Conheça o projeto "Drawings for my grandchildren" aqui e @drawings_for_my_grandchildren (Instagram)
Pádua Sampaio, sócio da Agência Delantero