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O que fica e o que vai (Pedro Souza)
Os azuis do céu, tons mais variados do que qualquer caixa de lápis coloridos é capaz de guardar, ficam. A mania de o contemplar, vai.
As subtilezas (mesmo pouco sutis) da cidade em cada estação, ficam. Junto com o b resiliente da palavra à portuguesa. As transformações que acontecem para dentro da gente, vão.
O vento, fica. O que o vento levou, nem fica nem vai, já foi.
A melodia da fala, fica. A letra, vai.
A carga dramática, fica. Comigo. O humor seco e cínico, vai.
O que vivi, fica. O que foi vivido, vai.
A forma delicada de repetir as palavras, para soar mais atencioso, como em “diga-diga” ou “pode-pode” ou “assim, assim”, vai. O “força” ao autorizar a entrada ou oferecer prioridade de passagem, vai também.
Os ficheiros de word, vão. O corretor ortográfico fica, no computador.
500 dias depois (número emblemático para brasileiros e portugueses), Lisboa fica. Eu é que vou. Com a certeza de que vou com mais do que vim.
Vão as músicas, os sabores, os aromas, alguns textos e tudo o que permanece e permanecerá em mim, com minha companheira e na minha filha.
O design limpo, conciso e elegante da cidade, dos espaços e da publicidade, ficam e vão. Tonalidades pastel que não precisam gritar. Para fazerem-se notar. Espaços vazios a valorizar e reverenciar o essencial.
A importância da história com h maiúsculo e das tradições. Um exemplo, os bondinhos ou eléctricos. Obviamente, não são o meio de transporte mais eficiente, mas talvez sejam os mais charmosos. Mas será que tudo precisa ser eficiente na vida? O valor do pitoresco, do genuíno e do autêntico, vão.
Textos enxutos, palavras precisas, conceitos preciosos.
O pronome implícito, este vai, ô se vai. O "você" e o "tu" que distinguem-se pelos verbos que os acompanha, sendo desnecessário dizê-los.
Nomes e marcas menos explicativos e mais instigantes, como o vinho Má partilha e o restaurante Bate que eu abro. Excelente exercício para um redator.
Como o título da campanha de Natal do Licor Beirão, “Um presente sem grande futuro”. Esse vai.
E também o cartaz de um croissant de amêndoas “Continua feioso mas delicioso”. E ao reclamar dos turistas que atravessam fora da passadeira (faixa de pedestres) “ora, como é que andam cá a fazer disto? nós os portugueses já o fazemos muito bem”. Essa graça feita de desprendimento e doses de auto-ironia, também vai. Deveria até ser exportado, o mundo está precisando rir-se mais de si.
A simplicidade, tão difícil quanto mágico de alcançar, como nas expressões “pequenos nadas” ou “à vontade não é à vontadinha”.
Nas estações do metrô, é possível embarcar do cais a outras viagens, inscritas nos azulejos - “A perfeição contém e corrige a exactidão”, “Ter a dúvida é saber exactamente o que estou a dizer”.
Lisboa é o melhor lugar do mundo e um dos melhores de Portugal.
Enfim, tudo fica e tudo vai.
Porque “há mar e mar, há ir e voltar”.
Pedro Souza, redator e roteirista
behance.net/pedrosfs9980