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A verdade dói, pero no mucho (Arnaldo Albergaria)
Esses dias vi, mais uma vez, Crazy People, com o Dudley Moore e a Daryl Hannah. Pra quem ainda não viu, o filme conta a história de um publicitário que, em meio a um momento complicado da sua vida, decide criar anúncios dotados de extrema sinceridade. Surpreendentemente, eles acabam fazendo um grande sucesso, mas o seu chefe já o havia internado em um manicômio. Lá, ajudado por outros pacientes, passa a criar novos anúncios no mesmo formato. As abordagens eram, mais ou menos, assim:
American Airlines. Nossos voos fazem parte de uma ótima estatística: dos que ainda não caíram neste ano. Chegue vivo voando com a gente.
Quaker. O produto não é tão bom assim. Mas deixe essa bonita latinha conquistar você.
Nova York. Já reduzimos pela metade o nosso número de homicídios. Venha passar o seu réveillon aqui.
Os anúncios faziam com que as pessoas não se sentissem enganadas por aquilo que estavam escolhendo.
Desligo a tv e, imediatamente, me passa pela cabeça um momento recente: uma eleição marcada por mentiras.
Quanto mais absurdas, mais eficazes. Ninguém perdia ao menos um tempinho pra ver se era fato ou boato. O importante era estar convicto sobre aquele vídeo, áudio ou depoimento e passar pra frente. A coisa começava a dar sinais de que estava saindo do controle
Histórias mirabolantes bombavam pelos grupos de zap zap que, rapidamente, saltavam dos celulares pra vida real. Estavam no balcão do boteco. No ambiente de trabalho. Na corrida do Uber. No almoço de domingo. Chegavam até ao microfone do pastor.
Era uma espécie de trem desembestado que ia levando todo mundo na conversa (os incautos lideravam o ranking, mas também tinha muito metido a esperto no meio). E como teve gente que embarcou nesse trem!
Gente de todas as categorias, vale dizer. Analfabetos, doutores, assalariados, empresários, senhores, senhoras, jovens, a tia, o primo, o pai, a mãe, o irmão, a irmã, o português da padaria, a moça da farmácia, o pipoqueiro, o barbeiro, a manicure, o carteiro, o caixa do banco e o motorista do busão. Mas uma só característica nivelava todos eles ao mesmo sarrafo: a falta de interesse em ir além daquilo que estavam vendo.
Se o outro lado levantasse a bola com o argumento de que aquela história poderia ser fake, pronto! A treta estava armada! E se ainda sacasse um link de algum portal confiável, pra desmentir a news, vixi! O tempo fechava!
As “noticias” sobre as quais não cabiam dúvidas tinham origem numa molecada acostumada a bravatear, pelas redes sociais, por um “Brasil Livre”. Aí o meme já vinha carimbado com selo de garantia. Mas isso foi só no começo. Mentiram tanto que até os ratos de zap passaram a não botar mais fé neles.
E assim amizades foram desfeitas, parentes se desentenderam e muitas relações, a partir dali, não seriam mais as mesmas.
Me pego de volta ao filme. Não vejo muita diferença com o que aconteceu aqui. A não ser pelo fato de que, na ficção, os malucos dizem a verdade.
Por Arnaldo Albergaria, redator freelancer