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É hora de raspar a cabeça (Jairo Anderson)
Estava lendo no BrainPickings.org sobre tempos difíceis para a arte. Era um texto da escritora Toni Morrison, escrito logo após a reeleição de George W. Bush, em 2004. Ela disse: “Essa é justamente a hora em que os artistas trabalham. Não é tempo de desespero, não é tempo para ter pena de si mesmo, não há necessidade de silêncio, não há espaço para medo. Nós falamos, nós escrevemos, nós nos expressamos”.
Se todo mundo tem que chorar pelo menos uma vez nessa pandemia, eu deixei a minha cota com essa última frase: “É assim que as civilizações se curam”.
Lindo. Mas quem aqui não sentiu exatamente o oposto? Quem não ficou bloqueado, desesperado, com pena de si mesmo, em silêncio, com medo? Pois é, eu também. E invejo aqueles para quem o período de home office está sendo cheio de lições ricas e inspiradoras. Para quem os dias estão sendo produtivos, a equipe está correspondendo maravilhosamente bem, a comunicação como um todo está fluida.
Não que isso não seja verdade. Eu vejo muito disso acontecendo no nosso dia a dia. Estou em uma agência independente que vem enfrentando de forma corajosa e humana as dores desse período conturbado. Com clientes que têm sido muito respeitosos e confiantes com o trabalho. Do nosso time, então, o que dizer? Somos muito gratos a todo o talento e o esforço empenhados desde sempre.
Mas home office é quando o encanador vai fazer um serviço na sua cozinha e você tem que trabalhar de casa. Ou a cidade para por uma enchente e todo o time fica remoto. O que estamos vivendo é outra coisa: uma quarentena por causa de uma pandemia global, com o agravante de estarmos em um contexto nacional perigosamente negacionista, para dizer o mínimo. Definitivamente, não são as condições normais de temperatura e pressão.
Nessa conjuntura assustadora, tirar lições do home office é como inventar o brigadeiro em plena guerra. É claro que a gente acumula pontos de experiência valiosos no processo, o ser humano se adapta e isso é maravilhoso. Mas faço questão de não esquecer o que está acontecendo lá fora, até mesmo para dar real dimensão e sentido à nossa indústria.
Não pensem que ignoro os aprendizados. Produzir um filme de forma totalmente remota, com a atriz sendo dirigida por videoconferência? Isso foi novo para mim. Tocar concorrências – briefing, alinhamento, brainstorming, produção, apresentação – tudo pela internet, com clientes estrangeiros, ainda por cima? Primeira vez também. Fazer uma reunião com 20 pessoas, ao mesmo tempo em que assistia Star Wars com o meu filho? Mais uma.
Também pude notar algumas mudanças conceituais, um ganho real de empatia entre nós. O “como é que tá lá?” virou “como é que tá aí?” E repare que perguntar se está tudo bem já não é meramente retórico: a gente realmente quer saber como a pessoa está. Isso está sendo, sem dúvida, positivo. Estamos todos alternando dias bons e ruins, manobrando emoções e obrigações, o que me leva direto ao motivo do título desse texto: é hora de raspar a cabeça.
Foi o que eu fiz quando ativei oficialmente o Modo Apocalipse: raspei a cabeça. Passado o estranhamento inicial, acho até que não ficou ruim. É o que eu queria para o momento? Não, não é. Mas, já que estamos em quarentena por tempo indefinido, a vaidade cedeu espaço para a praticidade.
Fazendo um paralelo com o nosso mercado, acredito que devemos fazer o mesmo. Em respeito aos nossos times, aos nossos clientes, às nossas famílias e até a nós mesmos: temos que raspar a cabeça. Em um momento distópico desses, pessoal, não tem essa de cachos modelados e hidratados, nem luzes ou restauração com queratina. Não tem meta, não tem bônus, não tem festival. Não tem cabeleireiro na concentração da seleção brasileira. Vamos raspar a cabeça, vamos jogar simples.
Porque a questão, pelo menos a curto prazo, é de sobrevivência. Sobrevivência nos negócios e sobrevivência no sentido de não sair por aí lambendo corrimão de padaria como pede o pronunciamento das 20 horas. A gente tem que fazer o que é verdadeiro e o que pode realmente ajudar nesse momento crítico. O Washington Olivetto foi preciso em entrevista para o UOL: “Agora não é hora de vender; agora é hora de prestar serviço”. Raspar a cabeça é isso.
Primeiro, porque vai dar resultado. Quando isso acabar, pode ter certeza que o consumidor vai lembrar direitinho de quem quis colocar a sua avó no altar do sacrifício. Segundo, e mais importante: porque é a coisa certa a fazer. Cabe a nós todos estar do lado certo da História, agora. O lado que não teve pena de si mesmo, que não ficou em silêncio, que se expressou.
Porque é assim que as civilizações se curam.
Jairo Anderson, CCO da Peppery