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O Spotify é um viking que não morre no final (Fabio Henckel)
Vou recomendar uma série sueca que é assim: o herói apanha o tempo todo, resiste e, superando todas as adversidades, termina vencedor.
Parece uma história previsível.
E é.
Mas não é pelas surpresas que você deve assistir. É pelo aprendizado do processo criativo que se desnuda na tela.
"Som na Faixa", original Netflix, encena as origens da startup que revolucionou o consumo de música oferecendo streaming legal e gratuito ao mundo.
O que ela ensina?
UM: A IDEIA BOA, NO LUGAR ERRADO, É UMA IDEIA INÚTIL.
O cenário importa.
A história se passa na Suécia (dã), um território pequeno que contribui uma enormidade para a economia criativa do mundo. O país é o nascedouro de empresas como Ikea, H&M e Volvo. Para além de grandes marcas, em Estocolmo fervilha uma cena criativa que produz “unicórnios” aos montes. Por quê?
O país que revelou o conjunto Abba tem o inglês integrado ao seu processo de ensino. Munidos de seu espírito viking, de visão corajosa e fatalista, os suecos integram a aceitação aos riscos em sua natureza cultural. Em contrapartida, confiabilidade sempre foi a grande moeda sueca. Exemplo: poucos sabem, mas é lá que estão os servidores de backup do Google, do Facebook e da Microsoft.
A competição é estimulada ao mesmo tempo em que as bases sociais são sólidas.
Com pensamento global, espírito aventureiro e confiabilidade, a Suécia tem a tempestade perfeita para o estímulo à criatividade.
DOIS: QUEM ESPERA A HORA CERTA COMEÇA TARDE.
O Spotify foi uma excursão rumo a terras sabidamente perigosas. Não sabiam se haveria uma fresta nas defesas inimigas. Os malucos de Estocolmo apenas imaginaram que entre uma oportunidade e o surgimento de uma gigante no Vale do Silício haveria poucos segundos, então não esperaram a oportunidade sequer aparecer. Entre os nevoeiros da complexidade legal e tecnológica não enxergaram qualquer futuro, mesmo assim hastearam velas.
O consumo de música vinha se reinventando desde que o Napster popularizou o compartilhamento peer-to-peer. A Sony, a Universal, a Warner e todas as grandes gravadoras perceberam a água entrando em suas naus enquanto garotos rebeldes urravam como heróis juvenis com o Pirate Bay.
Se os piratas atacavam de um lado, a poderosa Apple apontava seus canhões do outro, atracando o seu iTunes no porto do comércio online de música.
Coube aos audaciosos suecos do Spotify redesenhar as linhas de batalha.
E foi com fé cega que a iniciativa de Daniel Ek chegou, inclusive, aos EUA, e se instalou a poucos minutos de distância da então casa de Steve Jobs, que usou toda a sua ira (inutilmente) para impedir que esse momento acontecesse.
Claro, novas batalhas vieram, e novos inimigos insurgiram. Mas, fatalmente, o tempo de insurreição havia se esgotado, e o reinado dos suecos já havia se estabelecido por toda uma era.
TRÊS: UMA IDEIA GENIAL SEM EQUIPE GENIAL É SÓ UM DEVANEIO BESTA.
Histórias adoram heróis. E adoramos pensar que o mundo se dobra às jornadas individuais de personagens carismáticos e solitários como Richard Branson, Mark Zuckerberg, Steve Jobs, Thomas Edison, Henry Ford e Bruce Wayne…
Mas a verdade é um pouco mais chata. Histórias reais são repletas de narrativas paralelas, subjetividades e interpretações transversais. Em outras palavras: na vida real, o elenco de apoio é mais importante do que o cinema ensinou.
Navegando para fora das águas da obviedade, a série "Som na Faixa" não se limita a acompanhar uma única jornada. Ela conta e reconta inúmeras vezes a história por meio de diferentes vozes e lentes. Com isso, se aproxima do real ao assumir que nunca há um único responsável por grandes sucessos. Inclusive, rivais que ignoram esforços alheios se mostram, de fato, forças paralelas que somente juntas poderiam impulsionar seus sonhos particulares.
É a força do coletivo que dá conta de aplicar criatividade, inteligência e sagacidade para proteger proa, popa, casco e velas da mesma barca.
Parece uma obviedade, mas é bastante rara uma obra que comemora o mérito coletivo. "Som na Faixa" faz isso.
BÔNUS: IGNORÂNCIA INSPIRA IDEIAS MAIS PODEROSAS DO QUE O CONHECIMENTO.
Eles não conheciam o mercado, ignoravam as leis e não tinham noção de como fazer aquele projeto fazer dinheiro.
Se jogaram às águas ignorando tubarões e tempestades. Uma vez ao mar, nunca mais pararam de nadar.
Foi esse mergulho no desconhecido que deu origem a uma história que mostra como convicções firmes, força de vontade e coragem ajudaram pessoas comuns a desafiar tradições e redefinir a indústria da música.
PS.: Assista "Som na Faixa" e me conte se os ventos da inspiração também sopraram por aí.
Fábio Henckel, diretor de criação da SPR (de Porto Alegre - RS)
Leia texto anterior da coluna "O Espaço é Seu", aqui.