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O Espaço é Seu

Uai versus Why, ou A síndrome do forasteiro (Mateus Coelho)

13.06.23

Eu já passei pela Síndrome do Impostor. Meus amigos já passaram. Você provavelmente já passou. Se não passou, é quando você sente que vão descobrir que você não é tudo isso, que não vai dar conta, que vai ser desmascarado porque não é tão bom quanto o posto que ocupa. Até que você percebe que você é capaz sim, que tem talento, e que essa síndrome vem só criar uma crise de autoestima que pode causar uma baita prejuízo à
carreira e à vida.

Depois de ter lidado com isso por algum tempo - e me recuperado -, fui procurar novos ares e me lancei numa carreira na gringa. Então, um novo medo foi desbloqueado. Era um sentimento diferente. Uma certa impotência. Não senti que estava abaixo da vaga que me deram nem tive medo de me demitirem quando descobrissem que era uma farsa. A sensação era a de que eu não seria capaz de criar tão bem naquela nova língua quanto eu seria em português.

No Brasil, eu resolveria isso mais rápido e melhor. Me senti insuficiente, despreparado, iletrado. Ao mesmo tempo, sabia que não havia sido contratado por ser nativo no idioma, mas pelas soluções criativas que eu poderia trazer à agência. E estava tudo bem do outro lado: meus chefes me apoiavam, o cliente estava satisfeito, o resto da agência ficava feliz com os resultados. O problema era eu. O problema era só meu.

Por alguns meses, vivi em uma dicotomia: por um lado, estava empolgado pelos projetos nos quais estava trabalhando; por outro, o tempo todo me sentia sem lugar, sem domínio da língua, muito menos da cultura do meu novo país. Tentei me convencer de que seria passageiro, que essa sensação aos poucos diminuiria, à medida que ganhasse mais domínio da língua e mais autoconfiança. Ainda assim, esse reforço mental não foi capaz de me tornar imune ao que estava sentindo. Não necessariamente uma síndrome de impostor. Era algo novo para o qual não havia encontrado uma definição.

Em uma conversa com um amigo, chamei de Síndrome do Forasteiro. E talvez seja um nome mais adequado mesmo. Um forasteiro é um ser de outro lugar, desacostumado à cultura, aos costumes. Por mais que traga muita coisa interessante na bagagem, é uma pessoa que ainda não se sente como alguém que soma, mas como alguém que precisa cortar suas arestas para se encaixar.

Eu já havia provado uma pequena amostra dessa síndrome. Quando me mudei de BH para São Paulo, senti que havia uma certa naturalidade nas conversas entre pessoas da agência que eu desconhecia. Por mais que falássemos o mesmo idioma, nossa cultura era diferente. Eu, por exemplo, não achava que toda ativação deveria ser na Paulista, mas isso é outra história. Fato é que, quando se muda de lugar, passa-se um bom tempo sem se sentir pertencido.

Corta para hoje. Um ano após mudar de CEP para Zip Code. O inglês melhorou, o entendimento dos processos da agência vai bem, os jobs estão sendo entregues e não sinto que vão me expulsar da vizinhança tão cedo. A Síndrome de Forasteiro foi embora? Não, e nem espero que vá. No fim,
descobri que não vou deixar de ser forasteiro. Sempre vai haver essa parte de mim que fala outra língua, que pensa de outro jeito, que pensauai?” e não “why not?". Como um bom forasteiro, estou pronto para criar um certo desconforto, mostrar que o mundo é maior do se imagina e fazer do meu ponto de vista diferente uma perspectiva que possamos ver juntos.

Mateus Coelho, creative director da TBWA\Chiat\Day New York

Leia texto anterior da seção "O Espaço é Seu", aqui.

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