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Ética e compliance na publicidade digital (Ramos e Bizutti)
A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) emitiu a Instrução Normativa (IN) 4/24, estabelecendo medidas para proteger a imagem das instituições do Poder Executivo Federal na publicidade online. Resultado de uma consulta pública com mais de 200 contribuições, a nova normativa segue a cartilha de publicidade digital da Controladoria Geral da União, de 2022, com uma abordagem integrada de temas como brand safety, combate à fraude e transparência no investimento publicitário.
Mais do que uma coincidência, ambos os documentos parecem sinalizar uma mudança estratégica, um alinhamento com o conceito de Trust & Safety ("confiança e segurança", em inglês), uma metodologia mais integrada e moderna para gerenciar os inúmeros riscos associados ao engajamento das marcas com consumidores e consumidoras. No contexto de compliance e governança digital corporativa, Trust & Safety é o campo que desenvolve e aplica princípios, políticas e práticas para assegurar a interação positiva e segura das pessoas com um determinado produto ou serviço. O objetivo é garantir a conformidade com exigências legais, padrões de segurança e pressões sociais, com uma abordagem de gestão de risco.
Baseia-se em dois componentes principais. Confiança ("trust") refere-se à proteção da reputação e credibilidade de um produto ou serviço, incluindo estratégias de resposta a incidentes que afetem esses objetivos. Já segurança ("safety") engloba a conscientização, transparência e minimização de possíveis danos decorrentes do uso de um produto ou serviço. Embora seja comumente associado a plataformas digitais e moderação de conteúdo, Trust & Safety, como um conceito estruturado, remonta à década de 2000, com empresas como eBay e Yahoo desenvolvendo mecanismos para filtrar spam e criar diretrizes de publicidade para seus anunciantes.
Essa estrita ligação histórica com a mídia digital é evidenciada pelo avanço que essa indústria fez na última década em diferentes frentes, muitos capitaneados por associações como o Interactive Advertising Bureau (IAB). São atividades como guias e padrões técnicos de brand safety e suitability, para evitar a exibição da campanha em conteúdos sensíveis, negativos, falsos ou não alinhados aos valores da marca; criação de ferramentas de ad clearance, com software e processos de análise e monitoramento jurídico em tempo real de campanhas; e criação de políticas de anúncios e de anunciantes, especialmente importantes no contexto do marketing de influência.
No passado recente, essas diferentes atividades e metodologias desempenharam papéis distintos, embora interligados, no campo de compliance da publicidade digital. Contudo, fatores como o avanço da compra programática, o fortalecimento do papel de "influenciadores" e a popularização de ferramentas de produção de vídeo (inclusive por meio de inteligência artificial) borraram ainda mais as distinções entre conteúdo e publicidade, exigindo uma abordagem mais coesa e integrada.
E aí que Trust & Safety entra em jogo. Para profissionais de compliance, adotar esse framework envolve uma visão de conformidade mais estratégica, sensível às nuances de um engajamento multidirecional e multimeios, e apoiada em uma postura preventiva. Ou seja, uma abordagem mais holística das interações com a audiência, para além de mera mitigação de riscos jurídicos e reputacionais. Sob esse guarda-chuva, brand safety não é somente sobre gestão de reputação, mas um compromisso mais amplo com a confiança do consumidor e com outros stakeholders. Similarmente, ad clearance e políticas de anúncios são integrados a uma moldura maior, considerando implicações éticas e de segurança da publicidade.
Em resumo, Trust & Safety é uma nova lente através da qual todas as atividades de conformidade publicitária podem ser visualizadas. A integração de papéis e ferramentas de compliance publicitário nesse quadro, seja pela influência regulatória ou pela postura proativa de associações da indústria e das próprias empresas, representa uma evolução na gestão das interações entre marcas e audiência. Entender e implementar princípios de confiança e segurança é imperativo não apenas para enfrentar os desafios atuais, mas também para posicionar as marcas na vanguarda de práticas éticas centradas na audiência.
Pedro Henrique Ramos e Andressa Bizutti, sócios do Baptista Luz Advogados