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O Espaço é Seu

A revolução silenciosa das mulheres na publicidade (Iris Coldibelli)

25.10.24

A década de 80 foi um marco na publicidade brasileira, com campanhas criativas que colocaram o país no mapa global. Grandes nomes e ícones da propaganda emergiram e ganharam destaque tanto no cenário nacional quanto internacional. Foi uma época em que ser publicitário significava conquistar reconhecimento, sucesso financeiro e uma grande visibilidade social. No entanto, enquanto esse glamour dominava o cenário, uma transformação gradual e poderosa estava em curso, liderada por mulheres visionárias dentro das agências. Essas profissionais começaram a desafiar as normas estabelecidas, tanto no ambiente publicitário quanto além dele, trazendo novas perspectivas e abordagens. Embora muitas de suas contribuições tenham ocorrido de maneira silenciosa, o impacto positivo dessas pioneiras continua sendo relevante até hoje.

Naquele momento, a publicidade autoral, que invadia os lares e moldava comportamentos, raramente era vista como uma ferramenta de transformação social no território nacional. Contudo, em outras partes do mundo, campanhas como "Just Do It" (1988), da Nike, criada por Janet Champ e Charlotte Moore, começaram a redefinir o conceito de superação, incentivando as mulheres a superarem seus próprios limites. "Because You’re Worth It" (1973-90), da L'Oréal, desenvolvida por Ilon Specht, também trouxe uma nova abordagem, mudando o foco da beleza da aprovação externa para a valorização pessoal. Essas campanhas demonstraram que comerciais podem ir além da venda de produtos — eles têm o poder de inspirar mudanças e desafiar padrões sociais.

Enquanto no Brasil muitos profissionais buscavam o sucesso imediato, sinais de uma publicidade mais consciente e orientada por propósitos começaram a surgir, tanto aqui quanto em outros mercados, mostrando que o sucesso de longo prazo pode coexistir com uma estratégia focada no impacto social.

Ao longo dos meus 20 anos na publicidade, trabalhar com mulheres e para mulheres foi uma experiência que trouxe uma nova perspectiva ao mercado. Com elas, aprendi sobre o poder da publicidade como uma força transformadora, capaz de criar legados duradouros e promover marcas comprometidas com o bem-estar social e ambiental. Enquanto a publicidade mais tradicional se concentrava no impacto imediato, uma nova vertente, preocupada com o futuro, começava a emergir, com foco em propósitos maiores e mais responsáveis.

Mulheres extraordinárias, muitas das quais tive a honra de acompanhar, me mostraram o potencial transformador da publicidade. Ana Couto, por exemplo, foi pioneira ao integrar a sustentabilidade na comunicação da Natura, muito antes de o tema se tornar amplamente discutido. Ana Carmen Longobardi aproximou o público jovem da educação financeira no Banco do Brasil. Nossa saudosa Magy Imoberdorf criou o icônico "Tampax: incomodada ficava a sua avó", enquanto Carla Madeira ajudou o Museu de Inhotim a ganhar destaque internacional. Rose Ferraz e Camila Franco, autoras do famoso "Meu Primeiro Sutiã", trouxeram sensibilidade para a representação da puberdade feminina na publicidade. Vera Rocha, que da Bahia já defendia o propósito no centro da estratégia de marca, chegou à posição de presidente na Sinapro-BahiaHelga Miethke, uma alemã de alma brasileira, foi pioneira no design publicitário no Brasil, liderando seu próprio estúdio. Até hoje, é considerada uma referência no setor.

No Nordeste do Brasil, Vanda Torres colocou o Maranhão no mapa turístico nacional e internacional, mostrando como o turismo pode gerar renda e fortalecer comunidades locais. Esse foi um trabalho que acompanhei de perto em meu primeiro emprego como redatora publicitária. Vanda não só me contratou logo após a faculdade, mas também me pagou o mesmo salário que um colega homem da mesma idade.

Christina Carvalho Pinto, liderando a Full Jazz, foi uma das mentes por trás da plataforma sustentável do Banco Real, pioneira no Brasil em associar sua marca à inclusão social e à sustentabilidade. Tive o privilégio de contribuir para a expansão dessa plataforma digitalmente com o Talentos da Maturidade em 2010, e foi um dos projetos mais enriquecedores da minha carreira.

Essas são apenas algumas das muitas mulheres que merecem reconhecimento, mas cujos nomes muitas vezes ficaram à margem da história da publicidade.

À medida que nos distanciamos da era da publicidade autoral, centrada na nostalgia dos grandes ídolos, é essencial reconhecer o legado das mulheres que nos deixam uma herança de construção de marcas conscientes e regenerativas. Suas trajetórias mostram que, embora nem sempre celebradas, as lideranças femininas sempre foram resilientes, éticas, comprometidas não só com o reconhecimento pessoal, mas com a transformação social.

Iris Coldibelli, CEO & fundadora da Netra CRB

Leia texto anterior da seção "O Espaço é Seu", aqui.

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