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Sobre partidos e times de futebol (Fernando Campos)
Não sei de quem veio o comentário infeliz de que o segundo turno das eleições presidenciais de 2014 seria um verdadeiro Fla-Flu. Imagino que de alguém que entende pouco de futebol e menos ainda de democracia.
Vamos partir de uma premissa básica para definir um time de futebol. É simples: você torce pra ele mesmo quando ele erra consistentemente, rodada após rodada, campeonato após campeonato. Você torce pra ele quando ele te faz passar vergonha. Você segue torcendo pra ele quando ele te faz profundamente infeliz. Torce com raiva, mas torce. Sei o que estou dizendo. Sou botafoguense.
A boa notícia é: no mundo da democracia representativa, você está livre deste fardo. Pode e deve escolher quem quiser, e não deveria ser chamado de vira-casaca ou algo do gênero caso decida que aquele cidadão que um dia mereceu seu voto hoje não merece mais. A torcida deveria ser pelo acerto, pelo sucesso, pelo gol. Ao contrário do futebol, na política é correto e moral escolher quem tem mais chance de sucesso, entendendo-se por sucesso não a vitória nas urnas, mas a capacidade de construir um país melhor.
Votei no Lula em 89 e 2002. Em 89, mais pra fugir do Collor (tinha votado no Covas no primeiro turno). Em 2002, aí sim convicto. Por entender que estava mais do que na hora de um governo que pisasse mais fundo no acelerador dos avanços sociais, e agora tendo como base uma economia estabilizada e com regras claras. Não me senti virando casaca, por ter votado antes no Fernando Henrique, igualmente convicto, porque acreditava que ele era a pessoa certa naquele momento anterior (1994) pra consolidar um dos processos mais importantes da nossa história, que foi o Plano Real.
Se você vê minha trajetória como eleitor com maus olhos, pode ser que esteja preso ao cenário do Fla-Flu. Segundo essa ótica, eu deveria fidelidade ao Lula, ou talvez ao FH, até porque meu primeiríssimo voto foi no Covas. Enfim, tem gente que acredita que uma vez (coloque aqui o nome do seu candidato ou partido), sempre (repita aqui). Decididamente não penso assim.
Talvez, na base de tantas rupturas entre amigos pelo Facebook (vamos combinar, a maioria dessas amizades não devia ser lá essas coisas) esteja essa conexão religiosa com o voto. Gente boa, voto não é um impulso emocional. Não se enganem pelas bandeiras e flâmulas: não são times de futebol. São apenas pessoas que se organizam em grupos pra pedir a você que confie nelas e em suas ideias. Aí você ouve, avalia, analisa o currículo, e vota. Pronto. Não tem título, taça, volta olímpica, nada disso.
Ouvi um argumento curioso sobre estas eleições: o de que o perfil psicológico do eleitor do PSDB (muito menos engajado e intenso do que o eleitor do PT) faria com que, para se manter no poder ou fazer um sucessor, um governante tucano não teria opção a não ser fazer um excelente governo, que possa ser defendido num debate futuro. Ainda segundo este argumento, a fidelidade petista seria capaz de sustentar no governo um grupo de pessoas não muito bem sucedidas, baseado unicamente no amor cego ao partido. Exatamente como o torcedor que segue torcendo mesmo quando seu time o faz passar vergonha.
Pode ser. Mas gosto de pensar além, gosto de acreditar que devagarinho as coisas vão mudando, e que cada vez menos eleitores vão ser Aécio ou ser Dilma. Eu já fiz minha escolha. Mas a minha escolha não me faz SER nenhum dos dois. Ser é um verbo muito definitivo, primordial, sem espaço para ponderação, ser é um verbo que se opõe à dialética. Ser, mas ser mesmo, de verdade, já te disse e repito: sou Botafogo. Até morrer.
PS: Dois artigos de incrível bom senso me chamaram a atenção neste domingo: o da Miriam Leitão e o do Arnaldo Bloch. Um choque de sanidade nestes dias tão conturbados que viveremos até o próximo domingo, e, sobretudo, depois dele.
Por Fernando Campos, sócio e diretor de criação da Santa Clara e presidente do CCSP