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O Espaço é Seu

Brasil x Argentina: a brincadeira contra o absurdo

04.07.12


Se existe uma coisa sobre a qual Argentina e Brasil sempre concordaram são seus desacordos em relação a coisas fundamentais: Quem tem as meninas mais bonitas? O melhor futebol? A melhor carne? O país mais bonito? 



Esta boa e velha guerra não começou ontem e a publicidade explora regularmente de forma bem-humorada a rivalidade entre os dois países (geralmente, em tempos de campeonato de futebol), usando o mesmo mecanismo criativo: reivindicar a superioridade nacional zombando sarcasticamente de seu vizinho!



Partida Brasil x Argentina



Do lado argentino, não podemos deixar de mencionar a campanha de Isenbek, Anti Esponsor, ou seja, “Anti-Patrocínio” (Effie Argentina 2007 - Ouro - categoria Alimentos e Bebidas), que convidava os argentinos a comemorar a derrota do Brasil durante o mundial de futebol 2006, ou ainda também, a campanha para o jornal esportivo OLE Argentina, onde aparecem argentiníssimos, com um pai argentino fã de futebol, para quem nada poderia ser pior do que ter um filho que admite ser... brasileiro.



Do outro lado da fronteira, os brasileiros não ficam de fora de gozação de seus vizinhos argentinos! Citemos a famosa campanha da Skol, Hermanos (F/Nazca Saatchi & Saatchi) criada para a Copa do Mundo de Futebol de 2010, que com seus dois tópicos, Lata Falante e Argentinos do Samba, zombava dos argentinos para apoiar ainda mais a seleção brasileira. Por fim, mais recentemente, as últimas campanhas da AlmapBBDO para Havaianas, Engraçados, e VW, Argentino, em que a guerra de fundamentos entre os argentinos e brasileiros é revisitada com bom-humor para reafirmar, respectivamente, a "brasilidade" da famosa marca de chinelos, e o espaço interior do Fox.



Além da batalha de clichés, a publicidade argentina e brasileira utiliza mecanismos diametralmente opostos. O que explica, sem dúvida, o porquê de nenhuma campanha argentina fazer sucesso e marcar história na publicidade brasileira, e vice-versa.



Absurdo e sarcasmo acima de tudo



Se eu devesse descrever a publicidade Argentina, utilizaria as seguintes palavras: humor absurdo, emoção, ironia, autodepreciarão e loucura. Na verdade, pode-se facilmente aplicar esses adjetivos ao cinema argentino [ex: "El hombre de Al Lado" (2009), "Medianeras" (2011)], ao teatro e literatura argentinos, enfim, aos argentinos de forma geral! A publicidade aqui, como em outros lugares, apenas reflete as tendências sociais e traços culturais das pessoas que a compõem.



No entanto, há algo específico na própria publicidade argentina que sempre me fascinou: é esse dom absurdo, mas tão eficaz, de fundamentar a comunicação com base em um insight que não tem absolutamente nada a ver com o produto, mas que se conecta perfeitamente com o público-alvo.



Tenho em mente, por exemplo, a campanha Narigón, criada pela Leo Burnett Argentina para Fiat Punto, em 2008, que para transmitir o posicionamento do carro "Sentite Diferente", centra todo seu discurso de forma absurda, mas extremamente engraçada, sobre o nariz desproporcional de seu condutor. Ou ainda, a recente campanha Padres en Slip, da Del Campo Nazca Saatchi & Saatchi para BGH Silent Air, que para vender um sistema de ar-condicionado fez renascer o terror de todas as famílias argentinas: ver os pais de cueca durante os longos e quentes meses de verão!



Para resumir: na Argentina, quanto mais absurdo for o humor e sua capacidade de trazer à tona uma experiência popular comum, mais eficaz se torna a publicidade.



O humor, conteúdo ao pé-da-letra e informação, em primeiro lugar!



No Brasil, a situação é bem diferente. Longe do humor absurdo argentino, é aqui que o conteúdo ao pé da letra reina! Evidenciada pelo peso do "Varejo", essa comunicação direta e informativa, embora aqui eficaz, seria provavelmente considerada na Europa como um O.V.N.I publicitário entre o “informecial” e a promoção “Hard Discount¨.



Mas como explicar esta predominância de tratar os assuntos de maneira direta e ao pé-da-letra na comunicação das marcas no Brasil?



Sem efeito, como num país com uma cultura popular tão rica e diversificada, tão mista e capaz de transformar o simples em requintado [ex: Alex Atala e sua famosa galinhada ou Vik Muniz e suas criações feitas de experiências e materiais variados], possa na hora de se comunicar se confinar unicamente à comunicação direta e ao pé-da-letra?



Vejo duas explicações:



1. A explosão da classe C. Quem fala em surgimento de uma nova classe, fala também em surgimento de novos insights e, portanto, de novos discursos de marcas. Ora, o insight principal desta nova classe média brasileira que acessa enfim o universo do consumo é justamente a busca constante do melhor "custo beneficio". Para atraí-la, as marcas adaptam então o seu discurso de acordo com as demandas desta classe. A JAC Motors, que entrou recentemente no mercado automotivo brasileiro, entendeu bem: utiliza discurso de marca exclusivamente informativo e centrado no preço "inesperado do carro completo", posto em cena por um apresentador ícone da classe C: Faustão. E isto funciona!



2. Mais vale um pássaro na mão do que dois voando. Em um Brasil em plena expansão econômica, o atrativo de resultados imediatos muitas vezes impulsiona certas marcas a se concentrar em discursos com registros unicamente informativos ou unicamente humorísticos, por meio de uma brincadeira, eficaz só no curto prazo. A piada é engraçada, mas o que há depois para a marca?



Neste contexto, no entanto, existem marcas que combinam habilmente brincadeira e estratégia para construir um posicionamento no longo prazo.



Citemos, por exemplo, a Pepsi e sua saga 'Pode ser', que retira toda sua força na verdade e pertinência de seu insight: Qual garçom nunca perguntou “Pode ser?” a um cliente que lhe pediu uma Coca-Cola quando havia somente Pepsi para servir?



Ou então a Nissan e seus lendários Pôneis Malditos que permitiram não somente melhorar drasticamente sua notoriedade de marca, mas também reforçar seu posicionamento estratégico sobre qualidade.



Diante de contextos argentinos e brasileiros tão diferentes, entendemos melhor a dificuldade de uniformizar a comunicação de dois países cujos estilos publicitários são tão opostos. Finalmente, talvez o absurdo maior seria querer, a qualquer preço, reconciliar a brincadeira brasileira com a ironia argentina.



Por Nathalie Descout – Diretora de Atendimento Regional da Publicis Brasil





 


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