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O Espaço é Seu

Péssima pergunta! (Thiago Espeche)

13.03.25

O problema nunca foi o passarinho não saber voar, mas sim perguntarem a ele por que não nada como um peixe. Algumas respostas parecem erradas, impossíveis, quando, na verdade, o erro está na pergunta. O ato de criação nos lança em uma enxurrada de questionamentos, e muitos deles são completamente estúpidos.

Se Bram Stoker tivesse desistido de Drácula porque não conseguia resolver a questão da roupa desaparecendo quando ele virava morcego, teríamos perdido um dos maiores ícones do terror. Clark Kent simplesmente coloca um par de óculos e ninguém percebe que ele é o Superman. Os Stormtroopers, supostamente soldados de elite, não acertam um único tiro nos heróis. Dorian Gray passa décadas com a mesma aparência sem que ninguém pareça realmente questionar isso de maneira alarmante. Apocalipse tem poder para remodelar a realidade, mas prefere sair no tapa em vez de eliminar os heróis facilmente. Como vemos, esses pontos não feriram personagem algum na história da narratologia.

O que nos faz pensar: que tipo de pergunta nos fazemos quando estamos criando ou analisando o trabalho de alguém? Existem milhares de casos como esses, e nem sempre há um problema na mímesis ou na diegese. A questão não é a perfeição da lógica, mas sim onde está o encanto.

Sabemos que nosso talento é instável, preguiçoso, surge quando quer, mas a mediocridade, irmão, essa está sempre pronta, no auge da forma — vacilou, ela aparece. É uma luta desleal. E o mais cruel? Estamos falando da mesma pessoa. Um segundo de genialidade muitas vezes não vence uma hora de overthinking. E talvez seja isso que realmente assuste: o fato de que muitas vezes nos perguntamos errado – e, no fim, somos nós que não conseguimos voar.

Precisamos prestar mais atenção às perguntas que nos fazem e questioná-las com o mesmo ímpeto com que nos são impostas. Mas, então, é isso que realmente importa? A roupa do Drácula? A pontaria de um Stormtrooper? É por isso que diversos artistas são irônicos. Dá uma raiva danada.

É estranho dizer, mas existem outras regras além da lógica. Mímesis significa imitação. Aristóteles, em sua "Poética", descreve a mímesis como a representação da vida e da ação humana na arte, mas não necessariamente uma cópia fiel da realidade. Para ele, a arte imita a vida, mas pode aperfeiçoá-la, exagerá-la ou transformá-la para gerar significado.

Em "O Rei Leão", a transformação instantânea da paisagem quando Simba assume o trono não reflete a ecologia real, mas simboliza a restauração da ordem no reino. Se analisamos uma obra perguntando "isso aconteceria na vida real?", corremos o risco de invalidar seu poder narrativo. O erro não está na obra, mas na pergunta errada. A mímesis não é uma cópia da vida, mas uma interpretação carregada de significado.

Agora, imagine o call:

— Legal a historinha do leãozinho, mas é isso que você quer passar para uma criança? Que, depois de tudo o que foi feito de errado, as coisas simplesmente se resolvem como mágica? Você realmente acha que essa praticidade é um valor positivo para as próximas gerações? E se o Simba criasse uma cooperativa de leões para reflorestar o espaço? Isso faz mais sentido!

Não faltarão puxa-sacos para validar a ideia da cooperativa.

Ou:

— Deixa eu ver se entendi. O cara, o Drácula, né?, se alimenta de sangue. Legal. Se veste com roupas vitorianas, sempre impecável. Mas, espera… se ele não consegue se ver no espelho, como consegue ser tão meticuloso e elegante? Ponto um. Ponto dois: você diz que uma estaca de madeira no coração mata Drácula. Ok. Então ele não deveria sentir uma certa aversão à madeira? Será que o caixão onde ele dorme não deveria ser de metal? Vidro, talvez? Ele dormiria tranquilamente dentro de uma caixa de madeira? Ponto três: se ele se transforma em morcego, o que acontece com a roupa? Não seria pitoresco se o morcego também usasse roupas vitorianas? Já que tudo é de mentira.

Essa não é uma crítica à história, mas ao modo como certas perguntas moldam a percepção de uma narrativa. Questionar o impacto é válido, mas quando a pergunta ignora a lógica interna da obra, ela deixa de ser um olhar crítico e se torna apenas uma miopia analítica.

Portanto, a questão central da mímesis não é "isso é real?", mas "isso faz sentido dentro da história?". E é por isso que produtores e diretores executivos não sabem dirigir nem criar histórias. Mas quem sabe criar histórias pode, sim, ser produtor e executivo.

E é aí que te pergunto: passarinho fantasiado de passarinho, passarinho é? Quando forçamos demais para aparentar algo que, na realidade, já somos, tudo parece falso. Nada parece ter substância. Nada parece ser de verdade. Existe um espaço para que as coisas não sejam tão óbvias.

Thiago Espeche, diretor e fundador da Chucky Jason

Leia o texto anterior da seção "O Espaço é Seu", aqui.

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