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Marcas, sustentabilidade e mulheres periféricas (Aline Pimenta)
Nos últimos anos, inúmeros trabalhos de campo nos permitiram conhecer de perto a realidade de favelas e periferias em diferentes estados do Brasil. Ainda que cada território apresente características, histórias e dinâmicas próprias, encontramos um denominador comum: mulheres, mães, chefes de família em sua maioria, como as grandes propulsoras da melhoria de vida de seus familiares e do desenvolvimento social de suas comunidades. Constatamos que as iniciativas de impacto focadas nessas mulheres eram mais eficientes e apresentavam melhores resultados, uma vez que reverberavam em toda a família e, muitas vezes, para além dela.
Assim, entendendo a importância da mulher periférica para melhor compreensão sobre estratégias e práticas de sustentabilidade efetivas, decidimos estudar a percepção desse público a respeito da ideia de “sustentabilidade” e da comunicação de marcas e empresas sobre iniciativas sustentáveis. Nosso estudo foi realizado com mulheres residentes em sete diferentes favelas e periferias da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, totalizando 104 entrevistas em profundidade.
62% das nossas entrevistadas tinham entre 25 e 45 anos, 82% se declararam pretas ou pardas e 47% afirmaram ter ensino médio completo ou incompleto. Vale destacar que 62% das entrevistadas informaram ser as responsáveis financeiras de seus lares.
Ao perguntarmos se já tinham ouvido falar em “sustentabilidade”, 68% das entrevistas responderam afirmativamente, mas somente 26% desse grupo soube formular a resposta de forma mais estruturada.
A sustentabilidade também foi frequentemente definida a partir de sua “ausência”, sublinhando as consequências negativas visíveis no cotidiano, como a incorreta gestão de resíduos sólidos.
Mencionado por 52% de nossas entrevistadas, o lixo foi o único exemplo em que questões ambientais e sociais se conectaram a partir de um pensamento de causa (incorreta gestão de resíduos) e consequência (enchentes e prejuízos financeiros). Simbolicamente, o lixo representa uma série de atributos negativos como desordem, insalubridade, caos e perigo, muitos deles frequentemente associados a favelas e periferias.
Quando questionamos nossas entrevistadas sobre como uma marca poderia promover impacto positivo em um contexto de “falta de sustentabilidade”, as respostas apontaram para duas principais dimensões: estímulo e facilitação à reciclagem e empregabilidade e geração de renda, ambas representando impactos diretos e concretos em seus cotidianos.
De acordo com a Teoria das Representações Sociais proposta pelo psicólogo social romeno Serge Moscovici, compreendemos o mundo e apreendemos o novo a partir de mecanismos mentais chamados de “ancoragem” e “objetivação”. Por meio da ancoragem, comparamos algo estranho a uma categoria já existente em nosso sistema classificatório particular, ajustando essa ideia a alguma categoria já conhecida. A objetivação, por outro lado, transforma algo abstrato em concreto para que, então, seja por nós assimilado. Dessa forma, a tradução das mensagens sobre sustentabilidade a partir de referências que já façam parte do repertório do público-alvo, se mostra fundamental para uma comunicação eficiente sobre o tema.
A questão do lixo, por sua materialidade e relevância no dia a dia, citada na quase totalidade das entrevistas, constitui não somente uma oportunidade para que empresas e marcas promovam impactos positivos concretos para populações periféricas, mas também um atalho para a construção de um diálogo contínuo, em que novos temas sustentáveis sejam introduzidos ao longo do tempo.
Quanto à forma de comunicar iniciativas sustentáveis por parte de marcas e empresas, muitas de nossas entrevistadas sublinharam que “mostrar é melhor do que falar”.
Não somente pelo didatismo visual, mas também pela descrença desse público, construída por um longo histórico de promessas não cumpridas por parte de Governos e empresas, torna-se ainda mais importante demonstrar de forma clara o que é verdadeiramente realizado. Comunicar intenção sem ação é ineficaz e compromete a credibilidade de marcas e instituições.
Por fim, e não menos importante, destacamos o papel das redes sociais e das mediações locais. Sendo a sustentabilidade ainda um tema novo para muitos públicos, incluindo mulheres periféricas, estratégias de comunicação que se baseiem na força das redes locais, reconhecendo e destacando os mediadores e os espaços de troca de informação relevantes nos territórios a serem trabalhados, terão, sem dúvida, grandes chances de se tornarem bem-sucedidas.
Aline Pimenta, especialista em comunicação e sustentabilidade, sócia e cofundadora da Oitto Impacto
Leia o texto anterior da seção "O Espaço é Seu", aqui.
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