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País tem 6,8 mi de trabalhadores no mundo criativo
O Observatório Itaú Cultural, que desenvolve pesquisas na área de cultura, lançou uma plataforma de dados sobre a economia criativa. Trata-se de um trabalho inédito, que reúne informações obtidas de órgãos oficiais, como IBGE e Ministério da Economia. O painel aponta que o país conta com cerca de 6,8 milhões de trabalhadores que atuam diretamente ou indiretamente no mundo criativo.
A plataforma está organizada em três eixos: mercado de trabalho e empreendimentos, financiamento público à cultura e comércio internacional de produtos e serviços criativos. Foram processados em torno de 10,4 milhões de dados. Iniciado em agosto de 2019, o projeto contempla 879,9 mil informações, que podem ser consultadas e cruzadas por todos que acessem o painel – aqui.
O mercado foi distinguido entre trabalhadores criativos (quem produz e cria em categorias que vão da moda ao artesanato, do cinema à publicidade, das artes cênicas à gastronomia, entre outras), empregados dos setores criativos (profissionais como advogados que atuam com direitos autorais) e trabalhadores incorporados (que não estão vinculados a empresas da economia criativa, mas que desempenham funções criativas, como designers da indústria automobilística).
O primeiro grupo, no Brasil, é representado por 4.359.964 milhões de pessoas. Em São Paulo, essa população é de 1,39 milhão. Os dados são de 2019. Dois anos atrás, os trabalhadores criativos, no campo nacional, chegavam a 4.376.874. Se forem somados os empregados da economia criativa e os trabalhadores incorporados, obtém-se, então, o total de 6.778.853 pessoas que desempenham uma atividade criativa ou estão ligadas a ela.
Vale esclarecer que, no painel, são adotados cinco critérios para classificar o trabalho criativo. É preciso cumprir quatro para ser considerado dessa forma. São eles: capacidade de resolver problemas de modo inovador e com emprego claro e frequente de criatividade; resistência à mecanização (acredita-se que o trabalho não pode ser feito por máquinas, apesar do avanço de tecnologias como inteligência artificial); não repetição e não uniformização da atividade (o impacto no processo produtivo é diferente a cada vez que atua); contribuição criativa à cadeia de valor (atuação traz inovação ou criação); e o trabalho é interpretação, não mera transformação (não apenas copia ou adapta coisas já existentes para diferentes formatos ou diferentes cenários).
A ameaça do novo coronavírus
Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, apontou, em vídeo conferência feita para apresentar a plataforma, que os dados coletados mostram como é importante o mundo da cultura e da indústria criativa. Essa imensidade criativa está “em grave risco por causa da crise global” gerada pela covid-19.
Saron afirmou que, apesar do cenário de desigualdades e de problemas como os educacionais, o trabalhador criativo equivale a 7% do trabalho formal no Brasil. Na Inglaterra, esse índice é de 9%, o que não nos coloca tão distantes, por esse viés, de um país que é referência em economia criativa. Com o devido respaldo e políticas públicas de fomento, o desempenho do país poderia ser muito melhor. O painel de dados, segundo Saron, permite nortear esse debate com base em informações e evidências.
Empresas, receitas e intensidade criativa
O painel traz informações também sobre as empresas criativas no país. Os dados disponíveis atualmente vão até 2017. No Brasil, elas são 147.318. O setor vem encolhendo desde 2014, quando atingiu seu ápice, com 162 mil companhias. No segmento estão situadas as agências de publicidade e de serviços chamados empresariais. As informações são disponibilizadas por estados e tamanhos das companhias. Assim, em São Paulo, são contadas 72 agências e serviços considerados grandes. Médias são 85. Pequenas, 582. E micros, 4.144.
Quanto à receita bruta total das empresas criativas, as informações vão de 2007 a 2016. Os dados de 2016 indicam o valor de R$ 336 bilhões – no ano anterior, o montante foi de R$ 324 bilhões. O estado de São Paulo responde por receitas que ultrapassaram R$ 144 bilhões quatro anos atrás.
Pela plataforma é ainda possível avaliar um critério destacado pela análise dos dados: a intensidade criativa das atividades. De acordo com a metodologia do Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural, baseada em um modelo britânico, os setores criativos são aqueles que possuem um maior porcentual de trabalhadores criativos sobre o total de empregados. “Desse modo, o modelo considera a criatividade dos trabalhadores como o elemento central da geração de valor nos setores criativos.”
Na plataforma, a variável apresenta a intensidade criativa segundo trimestres, considerando-se os quadros de 2012 até os primeiros três meses de 2019. Pode-se analisar esses dados pelos setores chamados criativos e pelos demais. Na publicidade, a intensidade criativa chegou a 70% no primeiro trimestre de 2019, mais do que as atividades de televisão (67%), mas abaixo da indústria da moda (90%).
Leis culturais
No eixo do financiamento público à cultura, a plataforma disponibiliza dados sobre valores destinados ao setor pelos governos federal, estadual e municipal. Estão incluídas informações dos mecanismos de incentivo à cultura existentes no país, como Lei Rouanet, Fundo Nacional de Cultura (FNC), Lei do Audiovisual e Fundo Setorial do Audiovisual. Os dados vão de 1993 até 2019.
Os valores movimentados pela Lei Rouanet em 2019 foram R$ 2,95 milhões, contra R$ 4,4 milhões em 2018. Segundo essa variável, o ano com mais investimentos de acordo com a cronologia disponível, foi 2011, com R$ 8,5 milhões.
Os investimentos feitos por meio da Lei do Audiovisual ficaram em R$ 24 mil no ano passado. Em 2017, o valor foi de R$ 361 mil (não há informações sobre 2018). Em 2007, o montante repassado a projetos foi de R$ 643 mil.
Uma novidade da ferramenta do Observatório é a análise da dispersão do financiamento da Lei Rouanet. A variável demonstra projetos que foram executados em um estado diferente da região onde o investimento foi captado. No estudo, foram investigados um total de 1024 projetos. Isso pode envolver atividades que impliquem em replicação para outros estados. A plataforma permite estudar como os aportes são distribuídos pelas regiões.
E depois da quarentena?
Pesquisador que liderou o projeto, o economista Leandro Valiati, professor da UFRGS, explicou que os dados organizados na plataforma – que desburocratizam o acesso – tentam responder a questões de políticas públicas. E chamam atenção para o papel essencial da cultura na retomada da economia.
Valiati declarou que a crise do novo coronavírus não significa apenas uma grave perda de empregos e renda, mas de valor cultural. O que virá no pós-crise? Um consumo desenfreado de produtos culturais não gerados no país? O economista fez referência a uma projeção da associação americana das artes, que estima que 68% das atividades culturais dos EUA sofrerão impactos orçamentários inviabilizadores. No Brasil, além desse efeito sobre a economia criativa, há outro risco: a queda do consumo de produção local. “O mundo faz hoje maratona de Netflix”, observou. É claro que a plataforma de streaming contém conteúdo local, mas a produção é majoritariamente internacional.
O pesquisador comentou ainda que a plataforma não inclui dados sobre cultura popular por falta de metodologias que permitam inserir informações que possam ser comparadas com os dados coletados de fontes oficiais. Essa lacuna precisaria de apoio de novos estudos. Pela mesma razão (falta de dados apurados por critérios mais sólidos), a informalidade da atividade criativa também não é medida de forma a fazer parte do painel. Mas, como Saron disse, a plataforma é colaborativa e permite o estabelecimento de mais pesquisas para aprofundar o conhecimento sobre a economia criativa no Brasil.