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José Padilha mostra a psicologia por trás do terrorismo
Dez anos depois de Tropa de Elite, um filme que suscitou debates na época em que foi lançado (2007), José Padilha volta às telas do cinema com um longa que promete alimentar discussões, ao menos em alguns países e especialmente nas redes sociais: 7 Dias em Entebbe. Se no longa que revelou o capitão Nascimento para o mundo a tônica era a violência aliada à corrupção, o diretor brasileiro toca desta vez no terrorismo.
Este é o quarto filme feito em torno da história real do sequestro de um avião da Air France a partir de Atenas que foi levado a Entebbe, em Uganda, em 1976, quando o país era governado por Idi Amin Dada. Os sequestradores, dois palestinos e dois alemães, se encontram com outros terroristas em um aeroporto desativado na cidade sudanesa e pedem a Israel a liberação de presos em troca da vida dos reféns israelenses.
As produções anteriores davam muita atenção à reação militar do governo do primeiro ministro Yitzhak Rabin (interpretado no filme por Lior Ashkenazi), mas Padilha preferiu focar no lado mais psicológico dos personagens. Ele quis mostrar o que leva uma pessoa a se aliar a grupos terroristas e como essa relação se desenvolve. Há ainda os bastidores do governo discutindo que passos tomar já que tinha por norma não negociar com terroristas.
“As pessoas poderiam querer um filme de ação. Mas tiro já tem de monte no Tropa de Elite”, disse Padilha em um evento na noite de segunda-feira, 19, em que apresentou o longa para um público de convidados da distribuidora Diamond Films e da Flix Media. Ele apontou também a qualidade dos diálogos do roteiro de Gregory Burke como um fator que o levou a aceitar o desafio de dirigir um filme com essa temática, normalmente distante dos brasileiros. E também poder trabalhar com a produtora britânica Working Title.
7 Dias em Entebbe, que estreia no dia 12 de abril em aproximadamente cem salas no Brasil, é uma produção de US$ 25 milhões, orçamento quatro vezes menor que Robocop, de 2014, também dirigido por Padilha. Já tem recebido críticas, algumas negativas por supostamente “suavizar” dois personagens, os alemães Wilfried Böse (Daniel Brühl) e Brigitte Kuhlmann (Rosamund Pike), simpatizantes da causa palestina e eles próprios pertencentes a um grupo revolucionário alemão.
Padilha fez, dois anos atrás, uma extensa pesquisa para poder narrar a história em seu filme. Visitou Israel, leu o livro em que o roteiro se baseou e entrevistou pessoas que estiveram em Entebbe. Por isso, ele rebate críticas ao explicar que reproduziu o que ouviu de quem esteve com os sequestradores – ou de quem os enfrentou. "De certo modo, olhar para o terrorismo virou tabu", afirmou Padilha em encontro com a imprensa.
O diretor contou que buscar a psicologia por trás de cada agente dessa história se tornou um elemento importante para fazer o filme. E um modo de aprofundar esse olhar foi exatamente entrevistar as pessoas envolvidas. O engenheiro de voo do avião sequestrado, por exemplo, chegou a ser contestado numa ocasião, em Berlim, por comentar atitudes de Böse, que não refletiam a imagem que se tem de um terrorista. Ele rebateu a crítica com uma resposta simples: "foi o que aconteceu". Sobre esse tipo de contestação, Padilha observou que, "quando se tem paixão por um assunto, existe uma tendência de se negar fatos".
"Não me importo com críticas. Imaginem se me importasse. Fiz Tropa de Elite! É preciso estar preparado”, declarou. O diretor não tem contas em redes sociais e afirma não se interessar pelas polêmicas, mas reconhece que hoje há um “furor irracional” em se ter opiniões, que são publicadas em velocidade impressionante e, muitas vezes, de modo irrefletido. “A internet liberou de maneira incrível esse impulso”, avaliou.
Negociação e dança
Além de abordar o lado psicológico dos terroristas, o longa joga luzes sobre as implicações das negociações (ou falta de) entre israelenses e palestinos. Rabin manifesta desejo de negociar. Seu ministro de defesa, Shimon Peres (Eddie Marsan), é contra, afirmando desde o princípio a necessidade de uma operação militar. No filme, Padilha lembra que, atualmente, não há nenhuma negociação de paz em curso entre israelenses e palestinos. Rabin foi assassinado em 1995, em um comício pela paz, por um judeu ortodoxo, militante de extrema-direita que se opunha a negociações com palestinos.
Uma metáfora para a complexidade desse assunto são as cenas de dança de outro núcleo do filme, em que a namorada de um dos soldados envolvidos na operação se prepara para uma apresentação. O jovem casal vive seu próprio conflito por conta de ele ser um elemento importante na perigosa estratégia militar que se desenha. Os movimentos da dança do grupo da jovem remetem a autoflagelação. Cada um dos dançarinos, trajados com roupas tradicionais, se despe ao longo da apresentação. Apenas a namorada do soldado resiste, mas ela cai a todo instante de sua cadeira. Isso sugere impasse, falta de solução.
Os dançarinos que atuam no filme são da companhia Batsheva e a coreografia é de Ohad Narahin. Ele também assina a bela cena de dança que surge nos créditos finais.
Brasileiros
Para 7 Dias em Entebbe, Padilha chamou dois profissionais com quem já havia trabalhado antes. Lula Carvalho é o diretor de fotografia. “Tìnhamos pouco tempo para filmar. É bom trabalhar com alguém que você já conhece. E Lula é famoso no cenário internacional”, contou. Ele também convocou Daniel Rezende, diretor de Bingo (candidato brasileiro à disputa do Oscar no ano passado), e montador dos dois Tropa de Elite. “O Daniel também é conhecido lá fora. Quem viu Cidade de Deus sabe o quanto ele é talentoso”.
Outro brasileiro participando do filme é o músico Rodrigo Amarante (Los Hermanos), que Padilha havia chamado para fazer a série Narcos (Netflix). “Ele fez um trabalho sonoro bastante original para o filme”, afirmou o diretor. “Todos eles são brasileiros extremamente talentos. Não falta talento no país”.
Rio, Brasil, Israel...
O assassinato da vereadora Marielle Franco, a violência e o quadro de polarização no Brasil em ano de eleição estiveram na pauta do encontro de Padilha com os jornalistas e com os convidados na exibição do filme. “Vejo no Brasil uma briga ideológica que não permite às pessoas enxergarem que a corrupção é de direita e é de esquerda”. Padilha, ao analisar a execução de Marielle (a palavra é dele), disse que assassinatos são processos recorrentes no Brasil.
É como Tropa de Elite mostrou, ele salientou. “A polícia é despreparada, corrupta e violenta. E o Brasil também produz criminosos violentos. O Rio mata 40 vezes mais do que a polícia americana inteira em um ano”. Em sua opinião, a violência é uma tragédia que vai continuar porque a segurança pública não foi realmente importante para nenhum governo.
Em seu período de estudos em Israel para se preparar para 7 Dias em Entebbe, Padilha tirou algumas horas para uma visita ao território palestino, o que fez com Lula Carvalho, pegando simplesmente um táxi (não buscaram passeios em agências de turismo). O diretor já tinha achado Israel com um ar de Rio de Janeiro. Quando retornavam para o hotel, Padilha comentou no táxi que tinha saído tudo bem. O motorista concordou e mostrou uma das razões para ele se sentir seguro: sacou uma Glock. Nesse momento, Padilha disse que voltou a se sentir no Rio.
Lena Castellón