arrow_backVoltar

Sonia Abreu sem fronteiras

Produtora, DJ e inovadora (depoimentos)

27.08.19

Apontada como a primeira DJ do Brasil, uma atividade estabelecida quando ainda não se falava “deejay”, Sonia Abreu morreu nesta segunda-feira (26), aos 68 anos. Não era a única história de vanguarda que tinha em sua carreira. Foi produtora e pesquisadora musical, apresentadora de programa de rádio e agitadora cultural, além de ter discotecado (como se falava na época) em festas famosas, como as da Papagaio Disco Club, ou mesmo em praça pública, a partir de uma Kombi onde montava seu sistema de som.


Vitimada por um problema respiratório associado à Esclerose Lateral Amiotrófica (ou ELA, doença degenerativa que acometeu o físico Stephen Hawking), Sonia é uma referência para o feminismo. “Pioneira como DJ e mulher maravilhosa que já nos anos 80 falava em veganismo e feminismo, ela deixa saudades e uma escola para todos nós, especialmente mulheres”, disse Janecy Nascimento, sócia e maestrina da produtora Loud.


A jornalista Claudia Assef, coautora do livro Ondas Tropicais, biografia de Sonia lançada em 2017, declarou para a Folha de S. Paulo, que a produtora e DJ sempre foi uma mulher que “furou as bolhas e quebrou paradigmas”, sem nunca perguntar se poderia fazer isso ou aquilo. Ela simplesmente fazia (leia aqui).


Sua carreira começou aos 13 anos, em 1964. Com 16 anos, tocou pela primeira vez em uma festa - na casa do empresário Antônio Ermírio de Moraes. Entre 1968 e 1978, foi produtora musical da rádio Excelsior/Globo de São Paulo (atual CBN). Também atuou na Som Livre e lançou a coleção de discos A Máquina do Som. Obteve ainda um disco de ouro, em 1978, por Automatic Lover, de D.D.Jackson.


Nos anos 80, montou em um ônibus um sistema de som para poder levar sua música a diferentes espaços urbanos. Desse modo, surgiu a rádio móvel Ondas Tropicais, que dá nome ao livro escrito por Claudia Assef e Alexandre Melo. Sua primeira parada foi em um coreto da rua Augusta. Depois surgiram outros locais públicos, como o parque Ibirapuera, e outros veículos, caso da mencionada Kombi e até de um barco que percorreu praias no litoral paulista e carioca no verão de 1986 - parte dessas histórias estão em seu site.


Radialista na 89 FM e na Brasil 2000 FM entre 1980 e 1998, Sonia inovou ao lançar um programa de rádio focado em world music. Era o Ondas Tropicais - A música do quarto mundo. Já nos anos 90, criou a Banda do Quarto Mundo, com 22 integrantes, com a qual gravou um CD e participou de programas de TV.


Conexão em rede antes da internet


Foi na segunda metade da década de 80 que Paulo Lima, fundador da Trip, conheceu Sonia. Ela já circulava em sua Kombi e o convidou a “discotecar” em praça pública. Mantiveram laços de amizade por muito tempo. Paulo a convidou a falar em seu programa de rádio e a produtora esteve nas páginas da Trip. “Era focada nas coisas que fazem diferença, nos relacionamentos humanos”, lembra.


Cerca de um ano atrás, Paulo estava em uma apresentação para um cliente, na qual seria discutido um projeto. O diretor de marketing da empresa discutia o posicionamento de um empreendimento e tinha convidado uma pessoa que julgava moderna. Era Sonia Abreu. Já tinha dificuldades de fala, uma consequência da ELA. Conversaram, falaram sobre Hawking e sobre ELA, mal que não tem cura. “Disse que esperava ser como Hawking e viver muito mais”, conta - o físico recebeu um prognóstico de dois anos de vida na década de 1960, mas continuou trabalhando e desenvolvendo suas pesquisas, falecendo em 2018, aos 76 anos.


Paulo Lima comenta que, apesar da tristeza da morte, é preciso olhar para a trajetória de Sonia. “Ela foi uma pessoa muito livre, nunca foi escrava de metas. Não se conformava com uma vida medíocre. Não correu a vida inteira atrás de dinheiro, mas para se conectar com o lado de dentro das pessoas”.


Segundo ele, Sonia foi pioneira de uma série de ideias que hoje são contemporâneas. “Talvez ela não tivesse percebido as barreiras que enfrentou por ser mulher. Conseguiu superá-las com naturalidade. Ela construiu sua obra de forma autônoma”. Paulo afirma ainda que Sonia era como um periscópio: tinha uma visão que ia além. Por isso, começou a pesquisar músicas de outros países mostrando que não havia fronteiras para isso. “Ela entendeu o tema ‘sem fronteiras’ antes disso virar workshop”, completa.


Outro ponto fundamental é que a produtora e DJ sabia usar a música como elemento de integração, um discurso comum atualmente. Sonia usava seu sistema de som para se apresentar onde quisesse e atrair público para conhecer músicas. “Ela trabalhava em rede antes de a internet ser projetada”, compara. De fato, suas ondas tropicais a levaram para diferentes lugares e públicos, do bilionário ao morador da periferia. O que mostra, nas palavras de Paulo Lima, que quem tem talento de verdade consegue ter trânsito em qualquer lugar.


 

Lena Castellón

Sonia Abreu sem fronteiras

/