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Spcine + Clube de Criação

Webinar lotado debate racismo no audiovisual

28.05.20

Um webinar disputado marcou a estreia de parceria entre Spcine, empresa de cinema e audiovisual da prefeitura de São Paulo, e Clube de Criação. Realizado no Zoom e transmitido também pelo Facebook, o debate “Imaginários para um Audiovisual Antirracista” reuniu as cineastas Day Rodrigues, Laís Bodanzky, Petra Costa e Renata Martins, que discutiram experiências, visões e caminhos para que o mercado ofereça mais oportunidades para diretoras, diretores e outros profissionais negros, o que envolve não apenas o cinema como a TV, o streaming e a produção publicitária.

Com mediação da jornalista Adriana Couto, do programa Metrópolis (TV Cultura), o painel abordou a construção de imaginários sobre o racismo, que tornam mais desafiadoras a ascensão e a permanência dos profissionais pretos na indústria. O que se mostrou é que é preciso avançar muito entre o discurso e as ações que efetivamente tirem esses profissionais da invisibilidade - invisibilidade esta que acontece mesmo que eles tenham conquistado importantes prêmios em sua história.

Na abertura do webinar, Laís Bodanzky, presidente da Spcine, e Joanna Monteiro, presidente do Clube de Criação, falaram brevemente sobre o estabelecimento da parceria que visa debater temas urgentes para a indústria do audiovisual. Ao lembrar que o Clube completa 45 anos em 2020 e que funciona como uma ONG, de modo independente, Joanna apontou que a entidade tem longa trajetória em oferecer ao mercado espaços de reflexão sobre desafios e transformações do setor.

Confira alguns highlights do debate

Day Rodrigues (Fez parte da equipe de diretores da série “Quebrando o Tabu” – que ganhou prêmios no NY Festival e no Mipcom. Codirigiu o curta “Mulheres Negras - Projetos de Mundo”. Dirigiu o documentário “Uma geografia das desigualdades”): “Para discutirmos imagens e imaginários, é preciso fazê-lo com pesquisa e maturidade. Pesquisa é política. Temos de pensar que imagem é essa que foi construída e que causa tanta violência. Mas, sem referências, ficamos na superficialidade. Para pensar o antirracismo é preciso conhecer pensadores antirracistas como Sueli Carneiro (filósofa, escritora, ativista e fundadora do Geledés — Instituto da Mulher Negra), Djamila Ribeiro (filósofa, feminista negra e autora de ‘O que é lugar de fala?’ e ‘Quem tem medo do feminismo negro?’), Rosane Borges (jornalista, professora, pesquisadora na área de comunicação, relações raciais e de gênero e autora de 'Mídia e racismo', entre outros livros).

Renata Martins (Criou a websérie “Empoderadas”. Dirigiu e roteirizou os curtas “Aquém das Nuvens” e “Sem Asas”. Integrou a equipe de roteirista da série “Pedro e Bianca" e “Malhação Viva a diferença”, ganhadoras do Emmy International Kids Awards): “O racismo à brasileira é maior que o capitalismo. Se a gente tem um cinema que não reflete a sociedade, perdemos como economia e como sociedade. A gente perde muito. O cinema é branco, cis, masculino. Nosso audiovisual tem sido pautado por essa imagem. A construção racista nos limita e nos engessa.”

Laís Bodanzky (Dirigiu, entre outros filmes, “Bicho de sete cabeças” e “Como Nossos Pais”. Seu próximo longa, "A viagem de Pedro", está em processo de montagem): “Só entendi muito depois que havia opressão de gênero. Quando fiz ‘Como Nossos Pais’ eu me vi feminista. O recorte de raça eu entendi mais recentemente. A Ancine me mostrou, num painel quatro anos atrás, o tema, que incorporei racionalmente, mas incorporar emocionalmente foi depois. Não é fácil mudar certos hábitos. Quando não é no seu calo que dói, você não se mexe. Por que demorei? Venho de família privilegiada. Teve opressão? Sim. Mas não foi tão difícil quanto é para uma mulher negra.”

Petra Costa (Dirigiu “Elena”, “O Olmo e a Gaivota” e “Democracia em Vertigem”, indicado ao Oscar 2020 na categoria de Melhor Documentário): “Temos estatísticas absurdas. Só dois longas dirigidos por mulheres negras entraram em cartaz. Recentemente vi ‘Amor Maldito’ (1984), de Adélia Sampaio. Se tivesse conhecido antes, se tivesse conhecido mais trabalhos também na literatura, isso poderia ter transformado meu cinema. Muitas coisas não foram expostas na nossa educação. O Brasil vive negação de seu passado. As cineastas brancas têm de assumir a responsabilidade de mudar suas equipes para incluir profissionais negras. Se a gente não faz isso, perde um universo inteiro. Sou mais pela ideia hegeliana, ‘sou reconhecida, logo existo’. Eu me reconheci com ‘Bicho de Sete Cabeças’ como cineasta. Falta isso acontecer com as diretoras negras.

Laís: “Na Spcine, temos políticas afirmativas, que compreendem metas. Os editais têm metas de gênero e de raça. Ao falarmos em metas, convidamos o mercado a atingi-las. Mudança de imaginário é muito importante e isso vale mesmo para a publicidade. Que imagem estamos vendendo? Se não temos representantes da população, caímos numa caricatura. Mas é preciso que ter representantes não apenas na frente das câmeras. É preciso ter atrás das câmeras também.”

Petra: “Estou no exercício de compor uma equipe mais diversas. Quero mais profissionais negras.

Renata: “Eu transformo meu set em um espaço que me possibilita experimentos. O set do meu primeiro curta não tinha um viés de raça, mas de mulheres. Há dez anos, montei uma equipe de desenvolvimento de séries, com roteiristas negros e negras. Depois, Joyce Prado e eu criamos ‘Empoderadas’, que veio responder perguntas, como ‘onde estão as mulheres negras no audiovisual em todas suas áreas’. A gente não via as vozes que encontrávamos no nosso cotidiano no cinema e na TV, mas queríamos que essas vozes fossem ampliadas. Criamos um acervo de vozes de mulheres negras, feito por mulheres negras. Muitas mulheres passaram por esse projeto. Com isso, conseguimos dizer ao mercado que temos mulheres negras para ocupar qualquer função no audiovisual.

Day (sobre a série “Marielle” não ser dirigida por diretor ou diretora negra): “Na época, falou-se que não havia um Spike Lee no Brasil. E eu pergunto ‘há um Fellini?’. Estive em duas produções da Globosat. As pessoas não vão atrás de informações e soltam frases de efeito.”

Petra: “Desde que me falaram da série, pensei que deveria ter uma diretora ou uma codiretora negra. Acho importante a pressão social dos movimentos negros. Mas talvez seja preciso pensar em compor cartas de compromisso que estabeleçam a entrada de pessoas negras (em projetos). Depois do movimento Oscar So White, houve um aumento da participação de negros. O braço de documentários da Academia foi o primeiro a ter paridade de gênero. No Oscar, me pedem listas de indicações. Ano passado e este ano indiquei cineastas negras, mas há um entrave porque eles exigem que tenham ao menos dois longas. As pressões precisam se acirrar.

Adriana Couto (Dirigiu o curta documental ‘O Fervo’): “Há movimentos de cineastas negras cobrando posicionamentos de cineastas não-negras. Falar com os colegas brancos, propondo questionamentos, não é também um processo de desconstrução (do racismo)?”

Laís: “Se você não chacoalha, continua tudo igual. Se esperar a boa vontade, não vira. Acho a polêmica bem-vinda. O audiovisual tem uma responsabilidade porque está indústria de sonhos está no imaginário das pessoas. É preciso mexer na água parada.”

Day: “Quanto as instituições estão dispostas a repensar suas políticas? Posso ter um set de pessoas negras – e eu luto por isso. Mas penso que nas próximas filmagens vou querer ter uma psicóloga. A branquitude precisa entender que a violência histórica do racismo brasileiro, além de impactar nossas vidas, nossos direitos e acessos, espelha um auto-ódio. Por isso, quando se vê uma pessoa negra votando em alguém de direita, isso não é aleatório. Isso é consequência do racismo construído pela branquitude. Não basta a polêmica. Estamos num momento em que precisamos de mudanças institucionais, de filosofia e de política.

Vídeo do webinar será publicado brevemente no YouTube do Clube de Criação, trazendo esse debate que atingiu a lotação da sala virtual (500 lugares) e que somava mais de 6,5 mil visualizações no Facebook  (veja aqui) até o fechamento deste texto.

Leia anteriores sobre o webinar aqui e aqui.

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