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SxSW 2022

Maria Ressa, Nobel da Paz, em 'Como enfrentar um ditador'

18.03.22




Prêmio Nobel da Paz em 2021, como reconhecimento por seus esforços na defesa da liberdade de expressão, Maria Ressa é jornalista há 36 anos, atuando na Ásia e liderando a luta pela liberdade de imprensa nas Filipinas.

Presidente e cofundadora do Rappler.com, foi convidada para falar no SxSW 2022. Como consequência de perseguição política do atual governo de Rodrigo Duterte, por seu exercício da profissão, ela precisa de autorização da corte para fazer qualquer viagem internacional. Autorização que não chegou à tempo da  viagem para o encontro em Austin. Maria fez sua voz presente mesmo assim, via plataforma digital Zoom. E compartilhou sua experiência e importantes reflexões com o jornalista Peter Pomerantsev, escritor e produtor de TV britânico, nascido na União Soviética, e membro sênior do Agora Institute, da Johns Hopkins University. O tema da conversa: "How to stand up to a dictator".

Sob moderação de Stephen King, CEO da organização filantrópica global Luminate, a conversa colocou no palco realidades de democracias ameaçadas em países como as Filipinas, sob o comando de Duterte; Rússia, com Vladimir Putin, e Brasil, com Jair Bolsonaro.

Em seu livro "This is not propaganda. Adventures in the war against reality", lançado em 2019, Peter Pomerantsev conta parte da experiência de Maria em Manilla, capital das Filipinas, comparando ao que estava acontecendo na Rússia. Uma comparação incomum em registros históricos. "Queria que as pessoas pudessem ver lado a lado esses dois casos e suas similaridades, começassem a perceber os padrões que existem neles. Não é sobre conspiração, mas um olhar para esses regimes que querem reinventar o modelo de ditadura para o século 21 e derrubar as conquistas da democracia do século 20", contou o autor.

Segundo ele, esses tipos de governos compartilham informações, ideias, uma rede de negócios e de mídia. Eles aprendem uns com os outros. "O Putin representa um tipo de vanguarda nesse movimento e fala abertamente sobre isso".

Peter é especialista em Rússia. Seu primeiro livro "Nothing is true and everything is possible - The Surreal Heart of the New Russia", lançado em 2014, fala sobre o país e a mídia local, abordando como os regimes ditatoriais trabalham para manipular a opinião pública. "Historicamente sabemos que o crime tem operações sofisticadas de informações internacionais. E isso, de alguma forma, torna possíveis essas agressões ilegais que vivenciamos atualmente", diz o escritor, que lembra que apenas em alguns países de língua inglesa há jurisdições que limitam o que o 'crime' pode transmitir.

Em maio de 2020 a rede de notícias filipina ABS-CBN, na qual Maria Ressa trabalhou, perdeu sua franquia e direito de transmissão como punição por relatar e comentar questões de maneira inaceitável para o governo local. "É assim que esses governos agem, criando o status e dando exemplos ao perseguir e prender pessoas da oposição e jornalistas, como eu", salienta ela.

A Prêmio Nobel citou o livro "A máquina do ódio - Notas de uma repórter sobre fake news e violência digital", da jornalista brasileira Patrícia Campos Mello, que mostra como o atual governo brasileiro usou da estratégia de destituir e desanimar os jornalistas e a imprensa. "O Bolsonaro não cooperou durante a pandemia, deixando a população totalmente vulnerável diante do Covid-19", lembra Maria, que completa: "estamos diante de líderes eleitos democraticamente para derrubar a democracia e, como sociedade, temos que pensar em como reagir às mentiras".

Com as mãos juntas, como quem faz uma prece, Maria Ressa lembrou que em 9 de maio haverá eleições presidenciais nas Filipinas. "É nossa chance de salvar a sociedade civil", disse ela, que concordou com o mediador Stephen King sobre a possibilidade de importantes mudanças também em outros países, como o Brasil. Como sinalizador disso, King citou a liderança de Lula em pesquisas eleitorais.

A vitória de Bolsonaro em 2018 serviu de exemplo sobre o uso da desinformação no impacto dos resultados de uma eleição. Maria contou que acompanhou como o Youtube foi tirando o político do anonimato e o trazendo para o mainstream, assim como viu acontecer nas Filipinas, mas por meio do Facebook.

Peter chamou a atenção para a responsabilidade das grandes redes sociais. Não basta que prometam minimizar danos, acabar com a desinformação, com o bullying e a intimidação online. "Ser neutro não é suficiente", salientou ele, para quem a comunidade empresarial e de segurança está de braços cruzados, ao passo que o "outro lado", como Rússia e China, fortalecem suas licenças para a estratégica da desinformação. Para ele, há um grande desafio psicológico nesse contexto, pela dificuldade de comunicar fatos para pessoas que não acreditam em pessoas, mas acreditam nas teorias conspiracionais"Temos que ser otimistas, mas já estamos presos em um conflito com a rede da ditadura", afirma.




O perigo da desinformação foi reforçado com uma citação de Yuri Andropov, ex-presidente do serviço de segurança da União soviética KGB (1967-1982) Desinformação é como cocaína. Se você cheirar uma ou duas vezes, pode não mudar sua vida. Se você usar todos os dias se tornará um viciado, um homem diferente”. Maria também tem uma citação que usa com frequência para tratar o assunto: sem fatos não há verdade; sem verdade não há confiança; sem confiança não temos realidade compartilhada, não temos democracia, e se torna impossível lidar com problemas globais essenciais, como coronavírus e mudanças climáticas.”

Na luta pela democracia, Maria trabalha com três pilares: tecnologia, jornalismo e comunidade. Ao longo da apresentação, explicou sobre cada um deles: "Nossas ideias estão sob uma vigilância capitalista e precisamos evoluir para uma internet que nos proteja da manipulação em escala; precisamos defender o jornalismo e proteger os jornalistas e a mídia independente - neste caso ela citou o IFPIM (International Fund for Public Interest Media); temos que construir uma comunidade resiliente e consciente".

Sobre o papel do jornalismo, ela lembra que é essencial continuar divulgando os fatos, mas é importante trazer uma visão holística para ajudar a espalhar a verdade. "Fortes emoções engajam e se espalham rapidamente. Enquanto a desinformação se apoia na raiva e no ódio, devemos nos apoiar na esperança e na inspiração".


Clubeonline está no SxSW 2022 por conta do patrocínio de Africa; Arena; Beats; Chucky Jason; Live; Mutato; Netza&cossistema; New Vegas; 99; Publicis Brasil; Smiles e Soko.

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