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SXSW 2023

Ei CEO, se o mundo estiver mesmo acabando, você diz o quê?

14.03.23

Talvez um painel que tenha o título de “What to say when the world is ending” tenha a cara de uma sessão repleta de alertas e de mensagens carregadas de tensão. Mas também pode, no primeiro momento, provocar um comentário sarcástico com palavras nada respeitosas (digamos assim). O que se viu nessa mesa do SXSW 2023, porém, foram dois especialistas em discursos, principalmente políticos, com tiradas de humor e análises pontuais sobre alguns acontecimentos que mostram como é vital para uma personalidade da vida pública ou para um CEO saber como falar e agir diante de uma crise.

Antes, as apresentações. Kate Childs Graham e Jeff Shesol são escritores. Eles trabalharam na série “West Wing”, sobre um governo democrata fictício que assumiu o poder na Casa Branca, definindo a estratégia dos discursos que apareciam na produção. Kate e Jeff também têm experiência na vida real da política. Ambos trabalharam com Bill Clinton. Mais recentemente, Kate foi diretora de “speechwriting” da então candidata a vice-presidente Kamala Harris. Ambos assinam livros sobre política.

A expertise deles acabou sendo solicitada por corporações. Afinal, como a dupla sublinhou, o mundo está complexo, caótico e não adianta chamar um grupo de violinistas para tocar enquanto o Titanic afunda. Ou adotar uma postura que remete à figura do cachorro no meme "This is fine", que está em uma sala pegando fogo, diante de uma caneca de café. Frente a cenários que nos lembram esta cena, a população tende a buscar alguma ajuda para sairmos do quadro ou para entendermos o que está acontecendo. Normalmente, essa demanda recai sobre políticos – e também sobre líderes religiosos. No entanto, afirmou Jeff, mais e mais CEOs estão sendo solicitados para se posicionarem ante as crises que enfrentamos, das mudanças climáticas ou às lutas por maior representatividade.

Ele mencionou uma pesquisa da Edelman, a Trust Barometer, para destacar que as pessoas confiam mais nas instituições do que nos governos, “apesar do que as corporações fazem”. E não se trata apenas da confiança. “Elas querem que as empresas façam mais, querem que se envolvam plenamente nas questões que realmente nos preocupam e com as que provocam divisão no país”. E só de pensar nisso – a divisão – muitos líderes procuram fugir de qualquer manifestação.

Jeff ainda chamou atenção para uma necessidade da população a respeito das mudanças climáticas: o público quer que os CEOs se envolvam com o tema mesmo que isso não tenha a ver diretamente com os resultados da companhia.

Neste ponto, Kate observou: “CEOs também podem falar coisas horríveis”. E como. Um quadro com manchetes repercutindo frases e textos de líderes de empresas de fazer arrepiar qualquer cidadão de bom senso foi mostrado. Um dos casos refere-se à presidente de uma companhia de tecnologia (PagerDuty) que citou Martin Luther King em um e-mail em que comunicava o corte de 7% da força de trabalho.

O texto, que foi publicado também no site da corporação, dizia que o momento a lembrava de uma frase famosa do reverendo. A executiva fez sua versão, comentando que a medida final de um líder “não é onde ele está em momentos de conforto e conveniência, mas onde está em momentos de desafio e controvérsia”. A mensagem foi classificada como a nova barra na lista dos anúncios de demissão mais “baixo nível” de que se tem notícia.

Pensamentos e orações

Um clássico das respostas dadas por líderes de variadas esferas ante situações críticas ou trágicas é manifestar publicamente que as pessoas prejudicadas por um determinado acontecimento estão em seus “pensamentos e orações”. Para Kate, não é possível ficar na oferta disso. Não basta publicar no Twitter que a marca está com o coração partido, que equivale ao estilo “pensamentos e orações”. E também não adianta mudar a cara do site para mostrar que apoiam o movimento “Black Lives Matter” se dentro da companhia a história é outra.

Outra situação que pode colocar a marca em posição delicada é se manter “em cima do muro”. Há horas em que um líder precisa tomar partido, em vez de ficar tentando abraçar os dois lados de um tema, sobretudo os controversos. Isso acaba virando uma armadilha. Jeff recorreu a um problema visto no jornalismo para explicar por que a atitude pode ser danosa. De acordo com ele, é muito difícil defender os dois lados de uma questão quando um dos lados diz que Joe Biden venceu a eleição em 2020 e outro diz que houve fraude. Ou quando um lado é a favor da democracia e outro, do autoritarismo.

Muitos líderes procuram reconhecer que existem dois lados, alegando diferenças de opinião dentro de suas organizações, em especial se há brigas internas em torno disso. Daí que é comum adotarem uma posição que consideram mais segura, o meio-termo. “Mas isso é uma armadilha que lançam sobre si”.

O exemplo para isso foi a postura da Disney de silêncio de sua operação na Flórida quando o governo republicano aprovou uma lei que confrontava direitos da população LGBTQIA+, em uma região em que a gigante do entretenimento fatura alto. Seus funcionários, entretanto, deixaram claro que desejavam uma manifestação da liderança. A companhia distribuiu um memorando interno dizendo que apoia a comunidade. Não foi o suficiente. Eles queriam uma manifestação pública. Em julho do ano passado, enfim, a Disney endossou uma carta assinada por diversas empresas apoiando uma lei em favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Kate comentou que há muito “rainbow washing” e que é necessário mudar atitudes, fazendo com que elas correspondam aos valores da empresa. Afinal, ninguém quer camisetas. O que se busca é qualidade nas atitudes.

Três componentes

A dupla defendeu que, logicamente, não existem fórmulas prontas para que cada marca copie quando o caos surgir. Mas há componentes. Nos tempos atuais, eles salientam que as corporações precisam ter estratégias de comunicação proativas, produtivas e baseadas em princípios. Na visão dos dois especialistas em discurso, o que se vê frequentemente são líderes pegos de surpresa e respondendo de forma reativa e sem aprofundar a mensagem. “O tempo das reações instintivas acabou”, afirmou Kate.

Para eles, há três componentes principais para nortear essa estratégia. Primeiro é conhecer os valores da empresa e conhecer os problemas que estão enfrentando. O segundo é criar as palavras certas para a situação. Ou seja, escrever. O terceiro é saber tomar as ações corretas.

Pode parecer simples, mas não é, segundo a dupla. Não se trata de ter um Q&A porque cada caso será diferente do outro. “Mas, se você pensar seriamente como líder de uma organização, terá uma noção do que deve te guiar durante uma crise que a companhia não foi capaz de prever. Você pode ser proativo em responder a tudo o que está por vir, entendendo quem você é, quais são seus valores e quando eles são influenciados pelo que está acontecendo no mundo ao seu redor. E você pode dar respostas menos reativas e mais bem informadas, de modo que pareça que você não está se movendo como soprado pelo vento”.

Um dos caminhos é perguntar como a empresa se posiciona diante dos problemas A, B e C. Compreendendo isso, é possível estabelecer como a companhia deve se envolver no assunto, lembrando que não é preciso falar de todas as crises que surgem no mundo. Se o assunto é um imperativo do negócio, isso indica que a marca precisa resolver a situação.

No caso de escrever, eles recomendam fortemente que não se use o ChatGPT, uma brincadeira óbvia. É preciso dedicar tempo para a elaboração de mensagens, textos e declarações. E fazer a revisão atenta quando o assunto envolve uma catástrofe. Jeff contou que prepara várias versões antes de definir qual será o discurso final.

A respeito das ações, eles argumentam que, às vezes, o discurso é uma forma de agir, especialmente quando é feito por alguém de importância pública abordando um problema. Mas que se fique atento: fazer um manifesto dessa natureza é assumir uma posição capaz de mobilizar outras ações, influenciando outras pessoas.

A Patagônia – que estará no SXSW com seu CEO no domingo 12 – foi apontada como exemplo de corporação que sabe se posicionar. “Somos fãs não apenas por causa do produto. Eles são famosos por liderar com seus valores. Eles estão construindo bons produtos. Eles não estão causando nenhum dano desnecessário. Eles estão protegendo a natureza. Eles são uma empresa com foco outdoor que realmente se preocupa com o ar livre. Eles realmente fazem um trabalho real que tenta proteger o ambiente em que vamos usar seus ótimos casacos. Eles elaboraram ao longo do tempo algumas declarações realmente poderosas e tomaram algumas ações poderosas”, comentou Kate.

A cobertura do SXSW 2023 pelo Clubeonline tem patrocínio de Audaz, Brunch – Influência de Verdade, Ça Va, Modernista Creative Producers e Vandalo.

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