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Como você imagina o futuro das cidades?
Um exercício feito com a plateia do painel “Civic Design: How to Build Cities for the Future”, no SXSW 2023, mostrou um dos pontos importantes na discussão do futuro das cidades. Brian Smith, diretor do departamento de gestão de desempenho e inovação de Minneapolis (Minnesota, EUA), pediu que todos fechassem seus olhos e pensassem por 30 segundos em um lugar favorito, do tipo que você se sente em casa, podendo ser uma rua, uma praça, um parque. Teria de ser apenas um espaço público.
Mas a coisa não parava por aí. Smith pediu que, enquanto visualizassem esse lugar, que colocassem em cena as pessoas que costumam encontrar nesse mesmo ambiente, na vida real. Quem você vê? Você acha que seu espaço favorito inclui todas as pessoas como poderia?
E, assim, ficou claro como as cidades têm de ser trabalhadas para serem cada vez mais inclusivas, hoje e no futuro. Elas devem ter seu espaço urbano ocupado e usufruído por diferentes grupos de pessoas - e isso quer dizer também suas manifestações culturais.
Logicamente, o desafio não para por aí. Um dos debatedores desse painel, o brasiliense Bruno Ávila, arquiteto e digital urban planner da cidade de Amsterdã (história que será explicada logo mais), explica que, nas análises dos especialistas em urbanismo e cidades inteligentes (para falar de alguns experts na área), uma das perguntas que devem ser feitas é: minhas necessidades estão sendo atendidas pela municipalidade?
Além disso, as cidades do futuro devem ser desenvolvidas de forma colaborativa, participativa, democrática e transparente. Ela faz uso da tecnologia também, que tem de ser incorporada aos serviços e deve ser estudada com atenção. Afinal, decisões de inovações tecnológicas apresentam seus riscos.
No painel, que contou ainda com a participação da designer islandesa Embla Vigfúsdóttir, artista-residente da cidade de Reykjavík, e a moderação da socióloga norte-americana Mai-Ling Garcia, diretora digital do Bloomberg Center for Public Innovation, da Universidade Johns Hopkins –, Ávila detalhou como é seu trabalho com a prefeitura de Amsterdã. O time com o qual atua é multidisciplinar e tem foco em descobrir como aproveitar as novas tecnologias (do metaverso à inteligência artificial) para conectar pessoas, integrá-las a seus ambientes e fornecer soluções criativas e orientadas por dados para as demandas da cidade.
Ele pontuou ainda que a busca por um design incrível para uma cidade não era algo trabalhado de modo colaborativo. Na verdade, as decisões sempre foram tomadas de cima para baixo. E os debatedores do painel trataram de reforçar que o futuro do espaço urbano depende muito de ouvir as comunidades: elas sabem do que mais necessitam. De fato, o design cívico usa arte, tecnologia e cultura para encontrar o melhor para as pessoas que vivem na cidade.
No caso de Amsterdã – que tem uma gêmea digital –, o time em que Bruno é digital urban planner foi montado para construir uma ponte com os habitantes para o desenvolvimento de um processo colaborativo, com participação online e offline. “É isso que estamos procurando. Estamos desenhando um processo de participação inclusivo e transparente, em que as pessoas entendam o que está acontecendo”, afirmou. Ele salientou que é importante que isso não se torne uma tecnocracia. É fundamental comunicar dados de maneira clara, para que o cidadão tenha informação da mesma forma que o governo tem sobre a cidade (resguardadas as questões de privacidade).
Durante o painel, Mai-Ling comentou que Bruno é o primeiro planejador urbano digital do mundo. Ao Clubeonline o brasileiro conta como isso aconteceu.
Clubeonline – Como você começou a trabalhar com isso?
Bruno Ávila – Existe uma parceria de Amsterdã com mais cinco cidades. É um programa de inovação digital, também promovido pela Bloomberg. Cada cidade tem um diretor do que chamamos de i-Team, que é um time de inovação. Eu represento Amsterdã. Então, sou o diretor dessa equipe de inovação digital, dentro dessa parceria. E sou chefe do departamento do laboratório de planejamento urbano digital. De fato, é bem inovador uma cidade investir nessa abordagem. Em várias cidades há profissionais trazendo tecnologias, como sistemas de formação geográfica. Mas pela primeira vez uma prefeitura decidiu montar uma equipe multidisciplinar para trabalhar em planejamento urbano incluindo arte, tecnologia e cultura. Estou lá desde janeiro de 2022.
Clubeonline – De que modo você chegou a essa posição? Qual foi o caminho de Brasília a Amsterdã para estar nesse time
Bruno – Trabalhei no governo do Distrito Federal. Fiquei na área de planejamento urbano em torno de quatro anos. Fui diretor de diretrizes urbanísticas. Depois para uma área mais de desenho urbano. Quando chegou a pandemia, pensei em aprofundar meus estudos na parte de tecnologia e cidades inteligentes. Daí, acabei num programa de doutorado em engenharia de cidades inteligentes, em Eindhoven (Holanda). Já estava havia um ano e meio nesse curso quando apareceu uma vaga para um digital urban planner na prefeitura de Amsterdã. Achei muito legal. Nunca tinha visto. Ele queriam alguém que tivesse experiência com participação – e eu trabalhei muito com isso no Brasil. Fui cofundador do Instituto de Urbanismo Colaborativo. Também queriam uma pessoa com experiência com planejamento urbano e que tivesse conhecimento da parte de tecnologia, como desenvolvimento de software. Resolvi tentar. E deu certo.
Clubeonline – O que este painel apresentou de mais interessante, na sua visão?
Bruno – No processo de participação social, a arte, tecnologia e cultura são pontos inovadores. A inovação acontece quando você pega diferentes campos e empresta coisas daqui e dali. Fazer um jogo, por exemplo, como aconteceu na cidade de Reykjavík (com crianças de uma escola), que representou um processo participativo e de prestação de serviço público, é algo inovador. Entre as lições deixadas está entender a importância da construção da cidade de modo multidisciplinar. A gente precisa das diferentes perspectivas. Seja para comunicar ou para construir um projeto. E tem algo que ainda não acontece muito no Brasil: a discussão da tecnologia. Acho que vai bem quanto à participação da arte e da cultura. Na Europa e nos EUA, há uma certa busca. Existem empresas que estão atrás das cidades como clientes. Tem o lado da venda de produtos. Isso é padrão. Acontece de as cidades comprarem produtos e serviços de tecnologia porque alguém está vendendo. E não exatamente porque ela necessita daquilo. A única maneira de enfrentar isso é investir mais em capacidade tecnológica dentro da prefeitura. Em Amsterdã, nós temos uma equipe de desenvolvimento de software muito grande. Ainda que a gente contrate empresas para desenvolver soluções, temos dentro da prefeitura pessoas que entendem exatamente o que o software está fazendo. Isso é construir capacidade interna para que a prefeitura possa lidar com essa parte.
Clubeonline – Qual sua visão sobre o Brasil nesse sentido?
Bruno – Creio que no Brasil não usamos o potencial das tecnologias, que não devem ser usadas porque são legais e sim porque elas tornam processos mais eficientes, transparentes ou mais baseados em dados. No país, temos uma política urbana totalmente baseada na política, e não tanto nos dados. E o segundo ponto em relação ao Brasil é a construção de capacidade dentro dos governos para eles possam lidar com o novo mundo. Em Amsterdã, temos um princípio de nos anteciparmos às mudanças tecnológicas. Temos um time que é o “Tech Road Map”, que só faz pesquisas de tecnologias futuras. Por exemplo: o que vai significar o metaverso para a cidade? Eles desenvolveram um inventário de algoritmos para que fique transparente para a população como funcionam os algoritmos. Então, temos um time, ainda que seja pequeno, que está olhando para frente, e temos um grande versado nas tecnologias atuais.
Clubeonline – Um ponto do painel, que foi dito pelo Brian Smith, é a importância de ouvir a comunidade. Podemos ter engenheiros, arquitetos, designers, especialistas em tecnologia, mas numa metrópole grande como São Paulo, quem ouve as pessoas para que elas digam do que realmente precisam? Não acontece de isso virar desculpa: é tanta gente para falar que é mais fácil eu tomar a decisão e assim tudo será mais rápido?
Bruno – Essa é uma posição meio tecnocrática. Uma maneira de lidar com isso é ter mesmo times multidisciplinares. Não adianta esperar que um engenheiro civil tenha uma abordagem de engajamento comunitário. Não é a formação dele. Precisamos de pessoas com formações técnicas específicas, mas precisamos também valorizar profissionais da comunicação, artistas e outros para de fato entendermos o que era esperado pelas pessoas. Acho que falta aos governos do Brasil incluírem essas pessoas tão capazes no debate da cidade.
Clubeonline – Quando as pessoas pensam em cidade do futuro, em que elas pensam exatamente?
Bruno – Há várias visões. Geralmente pensamos numa cidade em que minhas necessidades são atendidas e na qual eu me sinto bem. A gente tem a expectativa de que a cidade futuro vai nos atender, mas o perigo está em a cidade atender os desejos de um grupo especifico e não de todos. Diria que a cidade do futuro é construída colaborativamente, de maneira democrática e transparente. Ela faz uso de tecnologias porque a gente simplesmente precisa delas. Veja São Paulo com mais de 20 milhões de habitantes. Uma cidade assim precisa incorporar IA em seus processos até para melhorar os serviços públicos. Então, é necessário fazer uso das tecnologias existentes. Mas o governo tem de ser consciente também de que as decisões de inovação tecnológica têm seus riscos. Então, é importante ter um debate aberto. Na União Europeia, por exemplo, é proibido sistema de reconhecimento facial nos espaços públicos. Outros países escolheram ter. O Brasil vai seguir qual caminho. É preciso fazer esse tipo de debate e é preciso empoderar as pessoas para que elas participem. Decisões tecnológicas também devem ser tomadas de maneira colaborativa.
Lena Castellón
A cobertura do SXSW 2023 pelo Clubeonline tem patrocínio de Audaz, Brunch – Influência de Verdade, Ça Va, Modernista Creative Producers e Vandalo.