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SXSW 2023

Preconceito, privilégio, otimismo, raiva e outras reflexões na abertura do evento

10.03.23

Na manhã desta sexta-feira, 10, em Austin, no Texas, foi dada oficialmente a largada no SXSW 2023. Hugh Forrest, Co-President and Chief Programming Officer do evento, deu as boas-vindas ao público, citando a presença recorde de brasileiros(as) nesta edição. A platéia reagiu, comprovando a presença de muitos deles e delas.


Antes de dar espaço para a sessão de abertura, Forrest fez recomendações para quem quer aproveitar ao máximo o intenso festival: consumir conteúdo com o qual não se tem tanta familiaridade; fazer novas conexões profissionais, e manter gentileza, respeito e compaixão com as pessoas.


O conselho final estava bem alinhado ao que Simran Jeet Singh traria para o palco na sequência. Ph.D. e Executive Director of the Religion & Society Program do Aspen Institute, ele é autor do livro “The Light We Give: How Sikh Wisdom Can Transform Your Life”.


Ativista pela igualdade racial e justiça, ele nasceu e foi criado em San Antonio, no Texas, filho de pais que imigraram da Índia para os Estados Unidos nos anos 1970. No palco, iniciou contando histórias de sua infância e juventude que transformaram sua visão de mundo e modo de viver. “Começo contando histórias, e não trazendo fatos e informações, para criar identificação e empatia com as pessoas”, explicou ele mais tarde. 


Simran Jeet Singh citou dois momentos em que sofreu preconceito por usar turbante - como o que vestia no palco -, suas diferentes reações, e a necessidade de encontrar o meio termo. “Eu tinha 11 anos quando fui confundido com um terrorista pela primeira vez”, contou. Antes de um jogo teve seu turbante revistado sob o argumento de que “sabemos o que pessoas que usavam isto costumam fazer”. Ele não reagiu, só queria entrar no jogo. Mas não ter reagido lhe consumiu e ele jurou a si mesmo que da próxima vez se defenderia. Anos depois, teve seu turbante arrancado da cabeça. Com toda a raiva e frustração, reagiu aos socos. Mas a raiva e a frustração não passaram. E agora ele também estava confuso. Era preciso encontrar um meio entre o silêncio, ou fuga, dos acontecimentos, e a reação de ataque ou luta contra o ocorrido. “Como encontrar luz em um mundo de escuridão? Como amar pessoas que não nos amam?”, começou a se questionar.


Ele se lembrou de um movimento que a mãe dele - e seus três irmãos - fez para proteger a família de ataques que os impediam, por exemplo, de brincar numa pista de skate e patinação. Ela conversou com a comunidade: professores, amigos e familiares, falando sobre suas dificuldades. E as pessoas se uniram em defesa de seus direitos. “Ela disse que tínhamos sorte, mas ela mudou a experiência de todos, criando otimismo em um momento de desesperança. Foi a primeira vez que senti pessoas se colocando no meu lugar e essas pessoas puderam aprender que é importante olhar para os outros”, contou. 


Outra revelação foi a experiência particular com o atentado do 11 de setembro, das torres gêmeas, em Nova York. Então com 18 anos, como qualquer jovem, não acreditava ou compreendia o que as TVs exibiam. Até que veio a imagem do suspeito, alguém de quem ele nunca tinha ouvido falar, Osama bin Laden, e que mudaria sua vida para sempre. Ele virou o foco dos olhares da sala de aula onde estava. “Naquele dia minha mãe buscou a gente mais cedo na escola e não falamos nada sobre o que tinha acontecido. Pela primeira vez, trancamos a porta da casa e ficamos ali. Soubemos de pessoas de nossa comunidade sendo atacadas, mas meu pai disse que tínhamos sorte pois estávamos sendo ajudados por nossa comunidade, vizinhos e amigos que vinham até a nossa casa trazer comida”.


A partir dai ele entendeu que, em tempos difíceis, tendemos a focar no negativo, até como forma de sobrevivência. Mas é possível olhar para o que é bom e que também está em volta da gente. “Escolhi ver que há sempre mais beleza e luz ao nosso redor”, ele diz.


Depois da apresentação, Simran Jeet Singh foi entrevistado por Laurie Santos, psicóloga, professora e podcaster do “The Happiness Lab with Dr. Laurie Santos”. E explicou que o otimismo eterno, chamado de “chardi kala” dentro do Sikhismo,  é uma prática que deve ser constante. “Mesmo que você seja otimista, os desafios virão. O equilíbrio é que fará a diferença”.


Um dos caminhos é lembrar que o mundo todo é interconectado. Não só as pessoas, mas tudo que há nele. Simran Jeet Singh foi questionado por Laurie sobre como manter a compaixão por pessoas que pensam tão diferente da gente. “Busque coisas em comum entre vocês ou pense o que você faria se estivesse no lugar dessa pessoa. Não podemos focar só no que eu gosto ou não gosto, no que eu concordo ou não concordo. É preciso humanizar as pessoas, respondeu. Ele lembrou que não vamos mudar a cabeça de todas as pessoas, mas isso não deve nos fazer menos engajados. 


O poder da raiva na transformação social também foi discutido. "A raiva é uma emoção humana natural e podemos produzir amor a partir da raiva. Eu acredito no amor como fundação para todo tipo de justiça", disse ele, que ressaltou: "a raiva também é uma força corrosiva se não cuidarmos dela corretamente". E Laurei concordou: "temos que regular a raiva para que ela possa produzir mudanças nas questões ligadas às injustiças sociais". 


Simran Jeet Singh ressaltou que a felicidade é um movimento interno de como olhamos para o mundo. Nesse processo, ele reconhece que a autocompaixão é um dos maiores desafios. "Temos que buscar a luz em todo o mundo, uns nos outros e em nós mesmos, mas essa é a mais difícil para mim". Também revelou sua dificuldade em reconhecer, durante a pandemia do Covid-19, que dizia algo sobre si que não vivia na prática. "Eu dizia que minha família era a coisa mais importante para mim, mas não me dedicava tanto a ela. Só quando reconheci isso passei a pensar no que poderia fazer para viver diferente". 

Ele contou um costume de seus pais que está passando para sua filha: dar presentes do seu aniversário aos outros para lembrar que você merece ser celebrado, mas não é o centro do mundo. E que isso também desencadeia um ciclo: "você dá, você recebe". Segundo ele, os privilégios trazem consigo responsabilidades das quais não podemos nos esquecer. "Privilégio é algo difícil de ser notado. É mais fácil notar o que não temos do que o que temos". E deixa uma reflexão que é também um um desafio: focar no que temos e em quem somos.


A cobertura do SXSW 2023 pelo Clubeonline tem patrocínio de Audaz, Brunch – Influência de Verdade, Ça Va, Modernista Creative Producers e Vandalo.


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