“Por isso cuidado, meu bem. Há perigo na esquina…"
Esse trecho da música “Como nossos pais”, de Belchior, surgiu em minha cabeça assim que Amy Webb encerrou a apresentação de seu aguardado relatório de tendências tecnológicas emergentes no SXSW 2023. Apesar de se apresentar como Quantitative Futurist & CEO of Future Today Institute, professora de Strategic Foresight da NYU e colaboradora em pesquisas para filmes e programas que mostram temas futurísticos, ela deixou claro logo de cara: é impossível prever o futuro. Mas é possível cruzar dados e informações, observar padrões, buscar sinais e tendências e criar cenários para ajudar organizações e pessoas a agirem no futuro. Se tudo der certo.
Sim, Amy Webb coloca você e eu como responsáveis também por um futuro que dê certo, de forma ativa. Você mesmo, que está ai no Brasil e acha que ela nem imagina que você exista. Sabe como ela se apresentou para a platéia? "Boa tarde, minha família!". Assim mesmo, em Português.
Brincadeiras à parte, ela só estava usando a informação que recebeu de que o Brasil tem a maior delegação no festival deste ano para criar empatia com grande parte da audiência.
Mas voltemos ao relatório que tem nada menos que 666 tendências e 819 páginas, e está completando 16 anos de atualização. Calma, vamos passar apenas por algumas e os interessados em mais detalhes podem acessar o estudo por aqui, desde que respeite as regras de utilização colocadas lá.
Foco é a tendência de 2023 e o tema deste relatório. A base que vai permitir olhar para o caos de tantas informações e referências disponíveis o tempo todo, principalmente neste mundo pós-pandêmico de incertezas. "Precisamos treinar o olhar para focar nas convergências entre as informações e enxergar o que interessa, os novos padrões".
Segundo o relatório, estamos assistindo ao fim da internet como conhecemos: uma rede global de computadores que facilitam o envio de informações. Nesta evolução o cenário "What if?" é que não é mais você quem cria e pesquisa na internet, mas a internet que cria e pesquisa você.
Ao longo dessa evolução, as máquinas têm sido ensinadas a pensar a partir dos padrões de pensamentos humanos. Basta olhar para o GPT (Generative Pre-trained Transformer) e o RLHF (Reinforcement learning from Human Feedback). E abastecidas com muitos dados vindos de onde nem imaginamos. O velho ditado popular "caiu na rede é peixe" pode perfeitamente ser substituído por "caiu na rede é informação". Você já parou para pensar que enquanto estudavam remotamente durante meses a fio na quarentena do Covid-19, crianças de todas as partes do mundo abasteciam a rede com informações que não se tinha disponível antes? Ou nos dados que um vaso sanitário automatizado pode estar recolhendo sobre você? "A evolução da coleta de dados sobre nós está no ambiente e é invisível. Viramos 'ratos de laboratório' de novo", alerta Amy Webb.
Além disso, tudo está nas nuvens, deixando todos vulneráveis o tempo todo.
Mas, como sempre, as regulações que deveriam tornar essa evolução segura chegam muito tarde. Quem são os humanos que estão alimentando essas ferramentas? Eles representam a diversidade e o interesse coletivo? Falta transparência e representatividade e estamos criando realidades virtuais que não representam o que vivemos e defendemos como um ambiente de igualdade e equidade.
Se não pensarmos nisso e começarmos a agir agora, podemos estar criando um futuro insustentável de mentiras absolutas. E estamos lutando contra o tempo de uma indústria que cresce e enriquece desenvolvendo hardwares cada vez mais ágeis no processamento de dados, que já superaram e muito a velocidade do cérebro humano.
"A inteligência humana ainda é muito importante. Nem uma calculadora pode ser utilizada sem conhecimentos básicos de matemática", lembra Amy Webb. E pode ser que a forma artificial de inteligência pare de ampliar horizontes e comece a nos entregar blocos de coisas predeterminadas. No entanto, ao criticar a educação em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos, ela ressalta que temos que nos reinventar se quisermos sobreviver a essa nova era. Diversificar, para evitarmos que a Inteligência Artificial só corrobore com o aumento das bias, da desigualdade social e tantas outras injustiças humanas. Segundo ela, estamos vendo cenários que saem da ficção para a realidade e não estamos preparados para isso.
"... Você me pergunta pela minha paixão. Digo que estou encantado com uma nova invenção…” Eis que Belchior de novo ronda a mente. Ok. Já entendi que pode parecer tudo muito encantador, mas há perigo na esquina. Mas também é possível investir em educação, qualificação, transformar a força de trabalhos e utilizar a inteligência artificial a nosso favor, criando um futuro muito melhor do que nem as máquinas mais ágeis são capazes de imaginar. Mas nos somos. E esse é o cenário positivo para o qual Amy Webb pede engajamento. Vamos?!
A cobertura do SXSW 2023 pelo Clubeonline tem patrocínio de Audaz, Brunch – Influência de Verdade, Ça Va, Modernista Creative Producers e Vandalo.