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Brené Brown e Esther Perel, a solidão na era da hiperconectividade
Estamos conectados ao mundo inteiro e sabemos o que está acontecendo em lugares que nem imaginávamos que existia. Acompanhamos a vida de pessoas que encontramos poucas vezes - ou nenhuma pessoalmente: mas esquecemos que estamos vendo apenas o que elas postam. Deixamos de viver o momento presente para registrá-lo e medir o quanto as pessoas gostam da gente, através de likes. "Somos a geração de pessoas mais conectadas e solitárias da história da humanidade", disse a pesquisadora, escritora e professora da University of Houston, especialista em coragem, vulnerabilidade, vergonha e empatia, Dr. Brené Brown. "Eu diria que mascaramos o nosso topo da solidão com a hiperconectividade", completou a psicoterapeuta, escritora e especialista em relacionamentos modernos, Esther Perel.
Esse foi o tom da conversa que a dupla levou para o palco do SXSW 2024, sob o tema "Unlocking Us". Elas reconheceram que o acesso à informação e a necessidade de interação virtual está acima da capacidade humana. "Não sei como não desmoronamos", questiona Brené Brown, que considera o telefone celular um escudo para as vulnerabilidades e que as pessoas estão deixando de viver as emoções pessoais para viver as emoções coletivas. "Fiquei fora das redes sociais por um ano e foi uma das melhores coisas que me aconteceram". Ela percebeu como os relacionamentos virtuais exigem pouca vulnerabilidade, enquanto os reais exigem muita vulnerabilidade, tensão e atrito. Além disso, que o tempo dispensado nas redes sociais nos tiram o tempo da vida real. Conforme comentaram, ironicamente, os momentos que mais viralizam são os que estamos perdendo de viver na vida real para postar no virtual. Ela lembra que, assim, falta atenção ao outro na vida real. E que "atenção é uma forma de amor."
Reconhecida por TED Talks como o famoso "The power of vulnerability", Brené Brown lembrou que não deveria ser um privilégio poder ser vulnerável. "É a vulnerabilidade que nos conecta com as experiências que mais queremos: o amor, a alegria, o pertencimento, a arte. Mas vivemos em uma sociedade que olha para a vulnerabilidade como um risco e rouba não só o direito das pessoas de viverem suas vulnerabilidades, como todas as experiências que fluem dela". Infelizmente, ressalta ela, nem sempre as pessoas querem conhecer o ser autêntico que há no outro.
Esther Perel fez uma crítica à patologização de todas as sensações que temos vivido, cada vez mais. "Quando estou aqui, conversando com você, e pego o telefone, eu te digo que você não importa tanto assim. Esse sentimento ruim e essa solidão infiltra nas pessoas. Ai fala-se muito em crise da saúde mental. Mas me pergunto se a ansiedade e a tristeza que sentimos não é, na verdade, uma resposta humana natural à essa crise de estarmos o tempo todo conectados e desconectados ao mesmo tempo".
Segundo ela, nunca mercantilizamos e comercializamos tanto nossas experiências pessoais, a ponto de estarmos trocando o viver real por pseudo-experiências que só têm valor se forem postadas e receberam likes. "Tudo que eu vejo são expressões de anseio, de saudade, de busca por conexão real. Uma busca por transcender os fardos que nunca foram tão pesados, pois ganhamos uma liberdade sem precedentes, mas também vivemos uma tirania de dúvidas e incertezas sem precedentes. As pessoas estão dependentes de estímulos o tempo todo", diz.
Quando alguém está sofrendo, deseja alguém de confiança que seja sua testemunha. Alguém que o escute, sem fazer nada. "Pessoas sofrem desde que a humanidade existe. Mas antes elas contavam com a companhia umas das outras. Agora, sofrem sozinhas. Há ausência de escuta, que é uma qualidade incrível do ser humano. E a escuta não é apenas sobre quem escuta, pois também molda a pessoa que está falando", ressalta.
Como terapeuta sexual, ela diz que em seu universo, a sigla AI, de Artificial Intelligence, vira Artificial Intimacy, ou Intimidade Artificial. As experiências que temos no mundo virtual deveriam nos dar a sensação de ser real, mas não dão. "É a consequência de vivermos em um mundo sem contato, sem experimentação, sem fricção. Vivemos a solidão de estarmos com pessoas com as quais deveríamos nos sentir conectados, mas não estamos." Segundo ela, isso nos leva à Ambiguous Loss, ou perda ambígua, onde, em vez de sentirmos conexão, sentimos o luto por algo que deveria, mas não está acontecendo de verdade".
Estamos perdendo habilidades sociais. "Onde estão os flertes nos transportes públicos? O interesse real em saber mais sobre alguém ou conhecer quem você não conhece? A energia que nos move a descobrir o novo? A conversa fiada das filas, que parece bobeira mas é um momento de desenvolvimento social?", questiona. Sem falar na habilidade de nos conectarmos através da conversa. "Frequentemente colocamos as pessoas em caixas e não acreditamos que elas podem mudar. Mas nós mudamos sim", garante Esther Perel.
E para uma indústria que vive de se comunicar, contar histórias, a boa notícia da conversa entre Esther Perel e Brené Brown é que boas histórias conectam pessoas. Mas precisam ser autênticas.
Rita Durigan
A cobertura do SXSW 2024 pelo Clubeonline é um oferecimento exclusivo da Corazon Filmes (@corazonfilmes).