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Black Keys: ‘É impressionante ter mau gosto musical em 2024’
Quem não gosta de uma boa história de estrada de banda de rock? No longa “Quase famosos” (2000), um grupo fictício (inspirado no Led Zeppelin), que está no auge do sucesso, faz uma jornada pelo glamour e pelas agruras do mundo da música dos anos 1970. No documentário “This Is a Film About the Black Keys” (2024), o diretor Jeff Dupre resgasta as origens dos Black Keys, que nasceu em 2001, e suas primeiras viagens para shows, feitas em uma minivan e com um caixa tão terrivelmente baixo que a dupla que forma a banda - o guitarrista e vocalista Dan Auerbach e o baterista Patrick Carney - era obrigada a dormir no carro.
Parte dessa história foi contada em um painel com os dois artistas, escolhidos como keynote speakers do SXSW 2024. Eles dividiram com o público a trajetória dessa banda que esteve em cinco edições do Lollapalooza - entre elas, uma vez em São Paulo, em 2013. Em “Quase famosos”, a narrativa é conduzida por um candidato a repórter da icônica revista Rolling Stone. No palco de um dos auditórios do Centro de Convenções de Austin, Dan e Pat foram entrevistados pela jornalista Angie Martoccio, redatora sênior da Rolling Stone.
Esta foi a segunda vez dos Black Keys no SXSW, onde estiveram em 2003, quando ainda não tinham atingido o estrelato que os levou a tocar como headliners no Coachella de 2012. A primeira pergunta foi exatamente como eles se reuniram. Até foi fácil esse encontro. Pat, o falante da dupla, contou que eles eram vizinhos na cidade de Akron, Ohio, um lugar em que não havia nada muito instigante a fazer e "com um clima horrível”, como disse o baterista. Com tais características, era comum que os jovens de Akron formassem uma banda. O Devo surgiu lá, em 1973.
Como muitos grupos, a "estrada" dos Black Keys começou no porão, com ensaios e demos gravadas. Pat chegou a tentar ser guitarrista. Mas o destino acabou lhe reservando a bateria, “o castigo por ser o pior músico”, disse, arrancando risos do público. No início, um amigo de Pat tocou baixo com a dupla, porém ele passou a faltar aos ensaios. Perguntado pelos sumiços, ele respondeu que estava estudando para ser astrônomo. “Eu disse: ‘você, astrônomo? Você não tirou carteira de motorista e quer ser astrônomo?”, contou Pat. O resultado é que o amigo foi descartado e a dupla procurou um substituto. Não encontraram ninguém à altura do que planejavam tocar. E assim ficaram. E ambos asseguraram que foi a melhor decisão.
Ao longo de todo o painel, os dois músicos relataram histórias com esse estilo de humor, sarcástico e afiado, mantendo certa pose de rock stars, mas do universo indie. Ou seja, a dupla tem momentos de sucesso e reconhecimento (ganharam seis Grammys), mas coleciona também muitos perrengues, crises de ansiedade, relacionamentos pessoais destruídos, divórcios, desconforto e até silêncio. Durante três anos, entre 2015 e 2018, depois de terem estourado mundialmente, eles mal se comunicaram, trocando poucos e-mails até que decidiram voltar a se reunir e compor mais músicas. Desse modo, surgiu o álbum “Let’s Rock” (2019).
Agora, os Black Keys preparam seu 12º álbum de estúdio, “Ohio Players”, que será lançado no dia 05 de abril e conta com as participações de Noel Gallagher e Beck. Alguns singles do novo disco já foram divulgados e contam com clipes (veja abaixo). O documentário estreou no SXSW e, por enquanto, não há informações de como será distribuído (confira trechos da produção também abaixo). E eles se apresentaram em Austin.
TikTok, novas conexões, streaming
Na trajetória da banda, a dupla teve duas tretas musicais, uma com Justin Bieber (uma discussão via Twitter por causa do Grammy) e outra com os White Stripes (cujo líder, Jack White, tinha uma rixa com a banda por achar que eles copiaram o conceito de dupla composta de guitarra e bateria). Mas Dan e Pat também conseguiram estabelecer conexões poderosas com outros artistas, entre eles, os músicos do Radiohead e do The Strokes, além do próprio Beck.
Nestes tempos em que as redes sociais dominam a atenção dos jovens, eles torcem por mais um tipo de conexão. Esperam que o público ouça suas músicas e eleja algumas para que viralizem as novas canções, o que a dupla comenta com seu humor peculiar. “Esperamos que algum idiota faça um TikTok com nossa música. Toda nossa carreira depende disso”, ironizou o baterista.
O comentário foi feito depois que Angie perguntou como viam o lançamento de um álbum hoje. Afinal, quando lançaram seus primeiros discos, as plataformas de streaming de áudio não eram o que são. “É estranho porque surgimos na pré-social media. Você fazia o álbum, agurdava um review na Rolling Stone, tinha coletiva de imprensa. Então, hoje esperamos que um bando de motherfuckers ouça nossa música para a gente poder ganhar dinheiro”.
Angie questionou se eles enxergam vantagens nesta era dos streamings. “Sim. Você tem um enorme acesso a música de várias partes. Se eles pagam com justiça aos artistas é outra discussão. Mas, sabe, é impressionante ter mau gosto musical em 2024. É como: ‘o quê? Realmente? É isso que você está ouvindo?! Você pode ouvir qualquer coisa! Uau”, disparou, arrancando risos e aplausos do público.
A jornalista da Rolling Stone perguntou, na sequência, o que eles indicariam para um garoto de 13 anos que consome música pelo TikTok? “Quando eu tinha nove anos, comprei uma fita cassete do Vanilla Ice. Meu pai estava com um olhar desapontado. E ele me deu ‘Freak out’, do Frank Zappa. Talvez eu indicasse Vanilla Ice. Talvez desse a pior porcaria que tivesse porque aí qualquer coisa soaria melhor”, provocou Pat. E quanto a Dan? “Eu não sei. Enviaria uma playlist”.
De US$ 500 por show ao cachê de US$ 1 milhão
Entre as lembranças dos primeiros anos de estrada, Dan e Pat contaram como foi o primeiro show do The Black Keys, 20 anos atrás. “Nós tínhamos 30 minutos de música. Foi o que nos deram. Tocamos os 30 minutos em 15 minutos”, disse o vocalista, explicando que eles tiveram uma espécie de blecaute, com a apresentação relâmpago. Mas, semanas depois, eles foram chamados a tocar de novo.
Em outra ocasião, os Black Keys se apresentaram e receberam os US$ 500 de praxe, que era o valor total que o manager deles conseguia negociar na época. Pat se ajeitou no carro e estava dormindo quando ouviu uma algazarra em torno do carro, às 03h da manhã. Ele abriu a janela e viu 30 homens vestidos de Papai Noel. Só no dia seguinte que entenderam o que tinha se passado. Eles tinham estacionado a mini van perto de um bar gay que realizou uma festa, “Christmas in July”. Na cidade seguinte, Portland, eles tocaram para uma plateia de zero pessoas. Foram assim, entre altos e baixos, os primeiros shows da banda.
O álbum de estreia, “The Big Come Up” (2002), foi feito inteiramente pela dupla na casa de Pat. Eles conseguiram um bom review na Rolling Stone: quatro estrelas. Com os elogios da crítica e as turnês foram galgando sucesso. O álbum “Brothers” (2010), o sexto, amealhou dois Grammys. O trabalho seguinte, “El Camino” (2011), conquistou os Grammys de melhor álbum de rock, melhor canção de rock, por “Lonely Boy”, melhor performance de rock e ainda produtor do ano, dado a Dan, que tinha feito a produção para a banda e outros artistas, como Dr. John.
As noites dormidas na minivan ou em hotéis fuleiros ficaram para trás. Quando foram convidados para o Coachella, “Lonely Boy” tinha estourado e virado o hit número 1 entre os grupos alternativos. Eles estavam em Milão quando receberam a oferta de tocarem como headliners no Coachella, em 2012. Por uma apresentação, receberiam US$ 1 milhão. E foram negociadas duas noites: US$ 2 milhões. Tinham atingido um novo status. O que foi conquistado de maneira até rápida. “Eu nunca tinha ido a uma arena até o dia em que toquei em uma. Nunca imaginei que tocaria no Madison Square Garden”, lembrou Pat.
Os Black Keys fizeram muitas turnês e decidiram dar um tempo, para evitar o burnout e para se dedicarem a suas famílias. Dan lançou álbum solo e desenvolveu outros projetos. Mas o desejo de sempre criarem algo novo os atraiu mais uma vez para o estúdio, rendendo os álbuns “Let's Rock”, “Delta Kream” (2021) e “Dropout Boogie" (2002). É à busca pelo novo som que eles creditam o segredo para continuarem juntos.
Lena Castellón
A cobertura do SXSW 2024 pelo Clubeonline é um oferecimento exclusivo da Corazon Filmes (@corazonfilmes).