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SXSW 2025

O valor de uma boa conversa cara a cara

07.03.25

Pergunte-se: você tem conversado com frequência com seus amigos mais queridos? Ou o tempo que teria para esses contatos está sendo gasto nas redes sociais, vendo posts aleatórios, numa rolagem sem fim? Com exemplos desse tipo, Kasley Killam, psicóloga, cientista social e autora do livro “The Art and Science of Connection: Why Social Health Is the Missing Key to Living Longer, Healthier, and Happier”, chamou atenção do público do SXSW 2025 para a importância das conexões interpessoais.

O tema “saúde social” foi escolhido para o painel de abertura da conferência que mobiliza muita gente do mercado de comunicação todos os anos. O assunto pode parecer novo, mas há 15 anos Kasley se dedica a estudar o impacto dos relacionamentos sociais sobre o bem-estar e até sobre a longevidade dos humanos.

Para ela, a saúde social - ou nossa capacidade de estabelecermos conexões com outras pessoas de forma positiva - se encontra atualmente no mesmo status da saúde mental há 15 anos. Se no passado dificilmente alguém procuraria seu chefe para contar que sofre de ansiedade, hoje é esperado que as organizações tenham políticas internas para lidar com esse cenário de modo adequado.

No caso da saúde social, está mais claro que as companhias precisam dar atenção também para essa questão, estimulando a construção de boas relações entre os funcionários. Isso porque a saúde social é tão importante quanto a mental e a física.

Kasley observou que hoje ainda ignoramos ou subestimamos esse tema. Frequentemente, usamos o argumento da falta de tempo. É um erro. Segundo ela, quem cuida da saúde dos seus relacionamentos sociais tem menos sintomas depressivos, menor risco de doenças cardíacas, mais respostas do sistema imune, funções cognitivas mais preservadas e maior longevidade.

A especialista apresentou números de algumas pesquisas, indicando que 20% das pessoas sentem que não têm ninguém com quem contar se precisarem de ajuda. E passa de duas semanas o período, em média, que ficamos sem trocar uma palavra com um familiar ou com um bom amigo.

Mas o quadro está mudando. Hoje, no Reino Unido já há médicos que acrescentam na receita alguma recomendação de conexão social. Por sinal, lá foi estabelecido uma espécie de ministério da solidão, medida também adotada pelo Japão.

Uma pergunta que se faz rotineiramente é se ter boa saúde social quer dizer ter habilidade para conhecer mais pessoas. Não se trata de quantidade, mas qualidade. Introvertidos também podem se beneficiar se “exercitarem os músculos” das conexões interpessoais. Ninguém deve ser obrigado a estabelecer conversas com quem se sentou ao lado e, do nada, quer puxar papo. Mas, se houver um tempo livre, por que não?

A questão é avaliar se você ficará confortável com o contato naquele instante. Respeite seus limites. Se está ok, mas ainda tem dúvidas, leve em consideração o seguinte: uma conversa cara a cara é mais benéfica do que uma feita por vídeo. Caso precise dar foco para um problema naquela hora, agradeça o interesse da pessoa e se concentre.

Em suma, as dimensões da saúde social abarcam dos que tem “um milhão de amigos” aos mais tímidos e silenciosos.

Identificando-se como introvertida, Amy Gallo, socióloga e especialista em ambiente de trabalho e uma palestrante assídua do SXSW, entrevistou Kasley no palco, após a apresentação da cientista social sobre a evolução do conceito de saúde. Entre os pontos que se destacaram desse bate-papo, estão a epidemia de solidão do mundo hoje e o massivo número de pessoas que transformam chatbots e plataformas de IA em substitutas das companhias humanas.

Confira outros pontos:

- Como arrumar tempo para construir conexões? Há duas respostas para isso. De um lado, precisamos redefinir nossos parâmetros culturais. Por que não valorizar mais o jantar com a família em que todos possam conversar? A outra resposta é ser “connection first”. Em vez de correr para uma rede social para ficar vendo uma porção de nadas, melhor usar esse momento para escrever uma mensagem para um amigo, para um familiar. Pode ser também um telefonema.

- Não são todas as pessoas que estarão dispostas a conversas mais longas. Há os que estão muito afeitos aos papos superficiais e existem os que preferem trocas densas, profundas. Quem não curte “small talk” não estará disposto a entrar em rodas de conversas. Esses perfis têm de ser respeitados. No trabalho, os líderes terão de saber identificá-los.

- Existem muitas armadilhas em que caímos. É comum que os tímidos pensem que não vão gostar de sua conversa e, por isso, nem se aventuram a estabelecer conexões. Quebrar essa barreira é importante porque do outro lado pode estar outro tímido pensando igual.

- Valorize as boas conexões enviando, de tempos em tempos, mensagens de agradecimento. Pode ser uma vez na semana. Não serão necessários mais do que cinco minutos para fazer isso. Agradeça uma dica de filme, uma ajuda que recebeu. Amy comentou que muitas vezes pensamos que as pessoas sabem que gostamos delas ou que gostamos de algo que fizeram. Daí, não escrevemos dizendo isso. Porque achamos que elas já sabem. Isso mostra como uma palavra pode fazer muita diferença no dia a dia de alguém.

- Enviar memes para os amigos é uma maneira de construir boas relações sociais?Se fizer parte de um portfólio de fontes de conexão, tudo bem”, diz Kasley. Nesse sentido, conversar com uma IA não será problema se a tecnologia for entendida como mais um recurso, um meio de treinar conversas. Mas, segundo ela, achar que ficar nas redes sociais é ter uma boa vida social é como pensar que está tudo bem trocar uma refeição completa pelas calorias vazias de um snack. Nem tudo na mídia social, porém, é ruim. Comunidades de pacientes que se formam em plataformas como Facebook, por exemplo, estabelecem boas redes de relacionamento. E isso é saudável.

- Ter boas conexões no trabalho independe de a empresa ter um formato híbrido ou ser totalmente presencial. Mas é preciso fornecer meios para que os funcionários construam boas conexões. Se o ambiente não for favorável para isso, é provável que a companhia perca talentos. Além disso, pessoas que têm bons amigos no trabalho são sete vezes mais produtivas.

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